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FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS: o papel da fundamentação

Por Radson Rangel F. Duarte*

 

No texto anterior houve a apresentação, ainda que em voo de pardal, dos critérios estabelecidos legalmente para orientar o juiz na fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais. Não se nega, é verdade, que por serem elementos qualitativos, subsiste ainda um espaço de subjetividade na apreciação realizada pelo julgador, a lhe autorizar um maior percurso entre os percentuais mínimo e máximo estabelecidos na legislação para a fixação dos honorários advocatícios. Assim, no presente texto vai um passo além, para destacar o papel que a fundamentação possui nessa tarefa judicial.

 

  1. O dever de fundamentação como fator de controle da atividade judicial

A fundamentação, enquanto um dever constitucional, exige que o julgador analise os fatos jurídicos e os argumentos trazidos pelas partes, realize o cotejo probatório e extraia a devida incidência normativa. O juiz realiza uma atividade intelectiva, de forma a se obter uma decisão que resulte da participação construtiva por todos os sujeitos processuais. A importância do atendimento ao dever judicial de motivação é de tal ordem que a Constituição comina como nulo o ato praticado com a sua violação (art. 93, IX).

Mas, ainda que não houvesse previsão constitucional de fundamentação das decisões judiciais, ter-se-ia a sua imposição por decorrência do próprio Estado Democrático de Direito. Não à toa, Jürgen Brügmann (citado por Barbosa Moreira), define Estado de Direito como o “Estado que se justifica”[1]. Consiste em uma tradição do direito brasileiro a exigência de motivação, o que leva o legislador constitucional a reconhecer a magnitude desse princípio, conferindo-lhe um elevado grau de proteção e, especialmente, exigindo-se do legislador infraconstitucional e da função jurisdicional uma conformação segundo o seu espectro. Na realidade, uma investigação mais ampla vai encontrar a fundamentação como consequência direta também do princípio do contraditório, da democracia participativa, da segurança jurídica etc., de forma que essa imposição decorre de uma miríade de normas estabelecidas constitucionalmente.

Diversas são as razões pelas quais há esse dever judicial de fundamentação, desde aspectos institucionais a fatores de cunho pessoal, dentre as quais podem ser destacadas (sem a pretensão de exaurimento, registra-se): (a) legitimação da atividade jurisdicional, uma vez que apresenta à sociedade a observância dos parâmetros que foram, democraticamente, estabelecidos na ordem jurídica, o que viabiliza a (b) fiscalização da decisão judicial por parte desse corpo social quanto à vinculação entre os parâmetros normativos e as decisões tomadas; (c) controle pelas partes quanto aos fatos identificados pelo julgador como aptos à obtenção da consequência prevista no ordenamento jurídico e (d) respectivo controle quanto à identificação dos elementos probatórios; (e) controle, pelas partes, quanto aos fundamentos jurídicos levados em conta pelo julgador para acolher ou rejeitar a pretensão vertida no processo, bem como a (f) identificação se houve o debate e diálogo conformado pelos argumentos apresentados pelos litigantes ou se ocorreu a inclusão de outro fundamento, por parte do julgador e, se nesse caso, houve, ou não, oportunidade de debate, do que decorre a (g) garantia contra o exercício arbitrário do poder, à medida que permite identificar eventual desbordamento dos limites fixados no ordenamento jurídico ou falta de correspondência com o tema em discussão, proporcionando assim uma (h) sindicabilidade, pelas partes e também por órgão recursal, da correção quanto à decisão tomada, analisando-se o percurso observado pelo julgador recorrido; (i) aferir a imparcialidade judicial, pois revela que a decisão está alicerçada em dados normativos e não em uma predileção ou ojeriza subjetiva ou ideológica[2].

Há se registrar que o dever de fundamentação contou com uma espécie de “upgrade” no Código de Processo Civil de 2015, a partir do impacto provocado por mudanças paradigmáticas (histórica, filosófica e jurídica)[3] ocorridas mais recentemente, de forma a atender ao comando constitucional, desde a vedação às decisões surpresas (CPC, arts. 9º e 10), passando pela explanação das razões de convencimento quanto aos elementos probatórios (CPC, art. 371), culminando com toda um tratamento analítico para que uma decisão seja adequadamente fundamentada (CPC, art. 489, § 1º).

Como seria de se esperar, essa exigência constitucional se faz presente, também, na tarefa de arbitrar os honorários advocatícios.

A despeito desse dever constitucional, por “várias razões, entre as quais ressalta a costumeira e inegável quantidade de feitos, o juiz raramente se ocupa dos elementos qualitativos”, no diagnóstico realizado por Araken de Assis[4]. No mesmo sentido é o escólio de Yussef Said Cahali, ao afirmar que normalmente a fixação dos honorários advocatícios “não é acompanhada de um mínimo de motivação, a menos que por motivação se entendesse a apodítica afirmação ‘mostra-se justo’ (ou, igualmente, aequo)”[5].

Esses diagnósticos revelam o quanto a prática destoa do comando constitucional.

É possível identificar, como o faz Rodrigo Mazzei a partir das lições de Pontes de Miranda, a existência de duas espécies de omissões judiciais: omissão ontológica e omissão relacional.

A primeira dessas espécies é omissão ontológica, que “ocorre quando o ato judicial decisório tiver fundamento e dispositivo, mas deixar de abordar ponto(s) relevante(s)”[6]. Esta espécie ocorre quando julgador deixa de apreciar pedido ou um dos fundamentos discutidos na causa. Trata-se, como se vê, de hipótese clássica de omissão: a parte autora formula determinado pedido, o qual não é apreciado, ou apresenta vários fundamentos de sua pretensão, ao final rejeitada, sem a apreciação de todos os argumentos que poderiam influenciar no acolhimento de seu pleito. Idêntica situação ocorre em caso de acolhimento da pretensão autoral sem a análise dos diversos fundamentos trazidos pela parte ré.

A omissão ontológica, como se vê, ocorre porque não houve apreciação de um pedido ou de um fundamento.

No que interessa ao presente tema, a omissão será ontológica quando a decisão não fixar os honorários advocatícios, tenha ou não sido formulado pedido nesse sentido. Também possui essa mesma natureza a decisão que, a par de fixá-los, inclusive fundamentadamente, não estabelece critérios para correção monetária, incidência dos juros, termo inicial etc.

Para situações de omissão ontológica, o ordenamento jurídico estabelece mecanismos de correção, como embargos de declaração, apelação ou recurso ordinário, bem como a possibilidade ajuizamento de ação autônoma para a fixação dos honorários advocatícios (art. 85, § 18, CPC).

Por outro lado, haverá omissão relacional “quando a questão é tratada, mas falta-lhe a respectiva correspondência formal à direção adotada”. Em tal espécie, “faltará elemento formal de estrutura lógica à saúde do ato judicial”[7]. Ou seja, há uma decisão sobre a causa de pedir ou o pedido, mas não é feita a respectiva relação entre fundamento e ato decisório. Esta espécie de omissão, identificada com bastante frequência, é aquela que o art. 489, § 1º, do CPC, procura afastar, pois esse diploma buscou estabelecer a necessidade de que o ato decisório identifique os fatos e fundamentos importantes para chegar à conclusão: identificados esses elementos no processo, quais foram os que se ligam à decisão e, portanto, permitem chegar àquela conclusão, e não a uma outra.

Deste modo, será omissa a sentença que, embora fixe os honorários advocatícios, não indique os fundamentos pelos quais chegou a tal índice: qual o zelo do advogado, se o lugar de tramitação do processo tem alguma relevância, a complexidade da causa, o trabalho realizado e o tempo despendido. Neste caso, não há omissão quantitativa, pois houve a decisão, mas sim qualitativa, sanável por meio de embargos de declaração, apelação ou por recurso ordinário.

Como forma de evitar a omissão relacional, será necessário que o julgador apresente a influência de cada um dos critérios mencionados nos §§ 2º dos art. 85 do CPC 791-A da CLT para o arbitramento dos honorários advocatícios. Afigura-se essencial que haja a indicação dos fatos que se enquadrem nos critérios legalmente estabelecidos, atribuindo-lhes a maior ou menor participação.

Logicamente, na identificação de um maior ou menor zelo do advogado, o local de realização dos atos processuais, a complexidade e a importância da causa, um trabalho positivo ou não bem como o tempo processual, há um espaço de subjetividade conferido ao julgador. No entanto, até para permitir o controle pelas partes, impõe-se a exteriorização de cada um desses dados como forma de atendimento, o quanto possível, do dever constitucional de fundamentação na fixação dos honorários sucumbenciais.

No próximo texto tentar-se-á apresentar uma forma de operacionalização desse dever e seus reflexos na decisão.

 

Notas e Referências:

* Juiz do trabalho (TRT-18ª Região), mestre em direito pela USP/RP, autor de “Honorários advocatícios, gratuidade da justiça, despesas processuais: uma análise sistemática do regime financeiro no processo do trabalho (Thoth, 2022)”.

[1]     MOREIRA, José Carlos Barbosa. A motivação da sentença como garantia inerente ao Estado de Direito. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. n. 19, 1979, p. 287.

[2]     DUARTE, Radson Rangel F. Rápidas linhas sobre a (falta de) fundamentação nas decisões judiciais trabalhistas: uma análise de hipóteses legais. Revista Eletrônica Empório do Direito. 2021.

[3]     NASCIMENTO, João Luiz Rocha do. As dimensões paradigmáticas da fundamentação das decisões judiciais: Filosofia, história, direito e de como a (in)compreensível resistência ao dever de fundamentar é uma questão de paradigma. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2021, p. 331.

[4]     ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro, volume II – tomo I: parte geral: institutos fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 450.

[5]CAHALI, Yussef Said. Honorários advocatícios. 4ª ed. Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 289.

[6]     MAZZEI, Rodrigo. Honorários de advogado judiciais: alguns problemas da fixação sem fundamentação (omissão de motivação decisória) na perspectiva do CPC/15. In: Honorários advocatícios: Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Marcus Vinicius Furtado Coêlho, Luiz Henrique Volpe Camargo (coords.). Salvador: Juspodivm, 2015, p. 324.

[7]     MAZZEI, Rodrigo. Honorários de advogado judiciais: alguns problemas da fixação sem fundamentação (omissão de motivação decisória) na perspectiva do CPC/15. In: Honorários advocatícios: Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Marcus Vinicius Furtado Coêlho, Luiz Henrique Volpe Camargo (coords.). Salvador: Juspodivm, 2015, p. 327.

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