Não inventa! Tem que fazer inventário!
Na coluna dessa semana iremos abordar um tema interessante no que tange ao Direito das Sucessões, a necessidade de se fazer inventário. Comecemos do óbvio: na legislação atual o inventário é a regra, não o alvará!
Mas vamos além, qual seria a outra alternativa a que as pessoas recorreriam (e aqui utilizo a palavra recorrer em sentido leigo, uma vez que a outra opção não é um recurso propriamente dito, mas sim um procedimento judicial próprio) senão o inventário? Meus caros e minhas caras, falo sobre o alvará.
A palavra alvará deriva do árabe (al-barâ) e significa, basicamente, carta, documento. A própria ideia consectária da palavra já dá o tom do procedimento, algo célere, expedito.
Então temos o seguinte panorama, de um lado temos o inventário, processo normalmente moroso e de outro o alvará, que costuma ser bem enxuto. Pergunta rápida: qual dos dois vocês imaginam que seja mais amigável de se intentar? O demorado ou o rápido? Qual será o queridinho do direito sucessório?
O rápido, por óbvio, e é justamente por isso que nasceu a celeuma do caso em questão. Para que seja possível a resolução do levantamento de valores via alvará, pelo menos segundo a doutrina e a jurisprudência dominantes, é necessário o preenchimento de dois requisitos principais: a inexistência de bens a inventariar (além do dinheiro que se quer levantar) e também a limitação de valor (500 ORTNs).
É exatamente nesse sentido que o caso em tela não poderia ser resolvido por meio do mecanismo pretendido. Palavras que constaram do acórdão de lavra da desembargadora Maria do Carmo Honório:
Vale dizer, a existência de bens a inventariar inviabiliza a concessão de alvará autônomo para levantamento de quantias depositadas em contas bancárias, devendo os herdeiros do falecido iniciar o procedimento para partilha e requerer, naquele processo, a liberação da quantia de forma incidental.
Por outro lado, o valor do levantamento pretendido (saldo em contas bancárias) também impede a expedição do alvará, já que o montante aproximado a R$ 167.700,00 supera consideravelmente as 500 ORTNs previstas no art. 2° da Lei º 6.858, de 24 de novembro de 1980 (aproximadamente R$ 13.000,00).
Não é outra a solução legal. O art. 666 do CPC atual bem pontua que:
Art. 666. Independerá de inventário ou de arrolamento o pagamento dos valores previstos na Lei nº 6.858, de 24 de novembro de 1980 .
Seguindo essa senda do artigo do CPC, devemos analisar o que a legislação específica mencionada diz. Pasmem (e não é brincadeira), a mesma coisa que a doutrina e jurisprudência. In verbis:
Art. 2º O disposto nesta Lei se aplica às restituições relativas ao imposto de renda e outros tributos, recolhidos por pessoa física, e, não existindo outros bens sujeitos a inventário, aos saldos bancários e de contas de cadernetas de poupança e fundos de investimento de valor até 500 (quinhentas) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional.
Então, fica a dica, não inventa, se tem bens além do dinheiro ou valor acima de 500 ORTNs, tem que fazer o inventário!
Dados do processo interpretado já formatados para citação:
(TJSP; Apelação Cível 1000329-35.2023.8.26.0698; Relator (a): Maria do Carmo Honorio; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Pirangi – Vara Única; Data do Julgamento: 16/09/2023; Data de Registro: 16/09/2023)
Ementa do processo interpretado:
APELAÇÃO CÍVEL. ALVARÁ JUDICIAL. LEVANTAMENTO DE SALDO EM CONTAS BANCÁRIAS DE TITULARIDADE DO FALECIDO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE BENS A INVENTARIAR. MONTANTE QUE ULTRAPASSA O TETO PREVISTO NA LEI (ART. 2º DA LEI Nº 6.858/90). NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE ARROLAMENTO OU INVENTÁRIO COM PARTILHA DOS BENS. RECURSO DESPROVIDO. Para o levantamento de saldos de contas bancárias e de cadernetas de poupança e de fundos de investimento de titularidade do “de cujus”, não pode existir outros bens a inventariar e o valor não pode superar 500 ORTNs. Inteligência do artigo 2º da Lei nº 6.858/8. Precedentes desta Corte.