Remuneração das férias em dobro: qual é a medida adequada para afastar condenação que contraria a decisão proferida na ADPF 501?
As férias anuais remuneradas, acrescidas de pelo menos 1/3 (um terço) do salário normal, é direito fundamental garantido ao empregado no artigo 7º, inciso XVII, da Constituição Federal.
De acordo com o artigo 130 da CLT, o direito ao gozo dessas férias nasce após cada período de doze meses de vigência do contrato de trabalho. O empregado trabalha doze meses (período aquisitivo das férias), para que, dentro do próximo período de doze meses (período concessivo das férias – artigo 134 da CLT), ele possa desfrutar de um tempo de descanso; e a remuneração correspondente deve ser paga de forma antecipada: até 2 (dois) dias antes do início do efetivo gozo das férias, segundo o artigo 145 da CLT.
A própria Consolidação das Leis do Trabalho, no seu artigo 137, prevê uma espécie de sanção ao empregador que deixa de observar esse prazo de concessão das férias: a remuneração correspondente a esse direito passa a ser devida em dobro. Além disso, a Súmula nº 81 do TST consolida o entendimento de que “os dias de férias gozados após o período legal de concessão deverão ser remunerados em dobro”, ou seja, mesmo que a extrapolação do período concessivo ocorra em poucos dias, o empregado terá, em relação a estes, o direito à dobra de que trata o artigo 137 da CLT.
De outro lado, nenhuma outra pena foi prevista para o caso de descumprimento do prazo imposto para o pagamento da remuneração das férias. A própria jurisprudência trabalhista é que se encarregou disso. Por meio da OJ nº 386 da SDI-1, posteriormente convertida na Súmula nº 450, o Tribunal Superior do Trabalho firmou o entendimento de que a dobra prevista no artigo 137 da CLT também é devida em caso de descumprimento do prazo previsto para o pagamento da remuneração das férias.
Desde então, essa matéria vinha sendo discutida no âmbito das reclamações trabalhistas ajuizadas em todo o País; e o principal argumento de defesa dos reclamados era o de que a Súmula nº 450 do TST criou um direito não previsto na Lei, conferindo interpretação extensiva a um dispositivo legal que impõe uma sanção ao empregador.
Diante disso, a referida Súmula acabou tendo a sua constitucionalidade questionada em Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada pelo Governador do Estado de Santa Catarina (ADPF nº 501), a qual foi definitivamente julgada em 08/08/2022, nestes termos:
“Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário, sob a Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux, em conformidade com a certidão de julgamento, por maioria, julgaram procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental para (a) declarar a inconstitucionalidade da Súmula 450 do Tribunal Superior do Trabalho e (b) invalidar decisões judiciais não transitadas em julgado que, amparadas no texto sumular, tenham aplicado a sanção de pagamento em dobro com base no art. 137 da CLT, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.” – destaques não originais
Um primeiro ponto a ser destacado é o de que, tendo sido declarada inconstitucional, a Súmula nº 450 do TST não pode mais ser utilizada como fundamento para o deferimento da remuneração em dobro das férias em caso de pagamento fora do prazo previsto no artigo 145 da CLT.
Entretanto, vale dizer, nada obsta que esse direito seja objeto de negociação coletiva, sendo assegurado em acordo coletivo de trabalho ou em convenção coletiva de trabalho. Por esse fundamento, sim, o empregado que não recebeu a remuneração das férias em até 2 (dois) dias antes do seu início poderia pleitear, e ter deferida, a dobra de que trata o artigo 137 da CLT.
Além disso, o acórdão do Supremo Tribunal Federal “invalida” todas as decisões judiciais não transitadas em julgado que, com fundamento na Súmula nº 450 do TST, tenham aplicado a penalidade previsto no artigo 137 da CLT para a situação tratada no artigo 145 da CLT.
Acredita-se que essa invalidação não é automática: ela deva ser requerida por cada interessado, no processo do qual é parte, seja mediante o recurso cabível no momento, seja posteriormente, na própria fase de execução, por meio da Exceção de Pré-Executividade, dos Embargos à Execução ou, até mesmo, de uma petição simples, com amparo no artigo 518 do CPC, aplicado subsidiariamente no processo trabalhista (artigo 769 da CLT).
Mas é preciso ter cautela – e este é o ponto central da discussão travada na Ação Trabalhista nº 1000024-82.2020.5.02.0372 e na Ação Rescisória nº 1003005-65.2022.5.02.0000: a identificação da medida processual adequada para se afastar obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal parte da análise dos momentos em que ocorreram: a decisão da Suprema Corte e o trânsito em julgado da decisão dita “exequenda”.
Se o reconhecimento da inconstitucionalidade do ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal ocorre anteriormente ao trânsito em julgado da decisão exequenda, é cabível, em futura fase de cumprimento da sentença, a arguição da inexequibilidade do título judicial ou da inexigibilidade da obrigação, no âmbito da própria execução que tramita nos autos da ação trabalhista (artigo 525, inciso III, § 14, do CPC).
Se, por outro lado, o reconhecimento da inconstitucionalidade do ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal ocorre posteriormente ao trânsito em julgado da decisão exequenda, a medida cabível para afastar a obrigação é a ação rescisória; e a contagem do prazo decadencial de 2 (dois) anos inicia com o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (§ 15 do artigo 525 do CPC).
É com base nesses dispositivos do Código de Processo Civil que deve ser interpretado o § 5º do artigo 884 da CLT, o qual trata dos Embargos à Execução “com eficácia rescisória”, como se costuma dizer.
No caso da ADPF nº 501, o acórdão foi proferido em 08/08/2022 e transitou em julgado em 16/09/2022. Logo, qualquer pessoa que tenha legitimidade e interesse processual para a ação rescisória poderá ajuizá-la até o dia 16/09/2024.
Nos autos da Ação Trabalhista nº 1000024-82.2020.5.02.0372, o deferimento da dobra das férias com base na Súmula nº 450 do TST se deu em acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.
Após o retorno dos autos à vara de origem, a parte reclamada, pretendendo afastar a obrigação atinente ao pagamento da dobra das férias fundada na Súmula nº 450 do TST, apresentou Exceção de Pré-Executividade, a qual foi rejeitada pelo Juiz Titular em 24/08/2022, justamente pelo fundamento de que a medida cabível para tanto seria a Ação Rescisória, pois o trânsito em julgado do acórdão, segundo ele, teria ocorrido em 15/06/2022, portanto, antes da declaração da inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.
Em 25/08/2022, a parte reclamada ajuizou a sua Ação Rescisória, com fundamento no julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADPF nº 501, tendo o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região decido pela sua extinção sem resolução do mérito. Primeiro, consignou que o trânsito em julgado do acórdão regional teria ocorrido em 15/08/2022 (após o julgamento da ADPF nº 501), mas o resultado final foi baseado, principalmente, em uma interpretação dada ao termo “decisão exequenda”, que consta dos §§ 14 e 15 do artigo 525 do CPC.
Por oportuno, cito a ementa do acórdão proferido nos autos do processo nº 1003005-65.2022.5.02.0000:
AÇÃO RESCISÓRIA. INCONSTITUCIONALIDADE DA SÚMULA 450 DO TST. ADPF 501 DO STF. APLICAÇÃO DO §§1º, III, e 12º DO ART. 525 DO CPC. Tratando-se de hipótese em que a declaração de inconstitucionalidade declarada na ADPF 501 (datada de 08.08.2022) é anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda no processo originário, inaplicável o §15 do art. 525 do CPC, que trata do trânsito em julgado na fase executiva. Situação que se resolve pela declaração da inexigibilidade do título no próprio processo executivo à luz das disposições dos §§1º, III, e 12º do art. 525 do CPC. Ação rescisória cujo processo é julgado extinto, nos termos do art. 485, I e IV, do CPC. (TRT da 2ª Região; Processo: 1003005-65.2022.5.02.0000; Data: 18-04-2023; Órgão Julgador: SDI-8 – Cadeira 6 – Seção Especializada em Dissídios Individuais – 8; Relator(a): BIANCA BASTOS) – destaque não original
Como se percebe, por “decisão exequenda”, o TRT da 2ª Região não entendeu aquela que é objeto da execução, ou seja, a decisão que embasa o trabalho de liquidação e de posterior cobrança do devedor. Entendeu, sim, que a decisão referida pelos §§ 14 e 15 do artigo 525 do CPC diz respeito “à decisão subsequente à garantia da dívida ou à apresentação dos embargos à execução”, afastando, expressamente, a possibilidade de se considerar a “decisão proferida na fase de conhecimento”; e, como no caso concreto, ainda não havia sido iniciada a fase de cumprimento da sentença, não existia decisão exequenda nos autos principais, muito menos, consequentemente, o trânsito em julgado dela após a decisão do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADPF nº 501.
Não se trata, todavia, de entendimento aplicado em outras Ações Rescisórias apreciadas pelo próprio TRT da 2ª Região, inclusive abordando a temática da ADPF nº 501. Nos acórdãos proferidos, por exemplo, nos processos nºs 1002772-68.2022.5.02.0000 (SDI-3, DEJT 02/05/2023), 1002787-37.2022.5.02.0000 (SDI-7, DEJT 17/03/2023) e 1004190-41.2022.5.02.0000 (SDI-8, DEJT 30/05/2023), o marco temporal considerado é o trânsito em julgado da decisão proferida na fase de conhecimento (sentença ou acórdão), sendo admitida a ação rescisória, quando anterior à declaração da inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.
Realmente, salvo melhor juízo, penso que a definição quanto à medida processual cabível para se buscar o afastamento da obrigação de pagar a dobra das férias fundada na Súmula nº 450 do TST deve levar em consideração a data do trânsito em julgado da decisão proferida na fase de conhecimento, porque é ela o ato jurisdicional referido nos §§ 14 e 15 do artigo 525 do CPC.