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Sustentação oral nas causas atinentes a propriedade intelectual

Por Otávio Henrique Baumgarten Arrabal*

 

Esclarecer, persuadir os destinatários, convencer sobre a causa e vencê-la. Eis os propósitos imediatos da sustentação oral, ato jurídico processual [1] essencialmente comunicativo, realizado pelos profissionais da advocacia perante um colegiado, em fase recursal de julgamento.

Trata-se, a sustentação oral [2], de comunicação verbal e não verbal [3] em uma de suas manifestações mais plenas na efetivação da atividade jurídica. São os quinze minutos (regra geral, Art. 937, CPC), dentre os muitos anos de marcha processual, que mais demandam clareza sobre a causa [4] e modos [5] na postura de quem a sustenta.

Alguns Tribunais pelo Brasil, a exemplo do STJ, TJPR, TRF4 [6] e TRF2, efetuam a gravação ou mesmo transmitem ao vivo as sessões de julgamento em vídeo/somente áudio, conferindo corpo ao princípio da publicidade processual relativa e fortalecendo as prerrogativas institucionais dos profissionais da Advocacia. Observando as gravações de várias sustentações orais nas causas de propriedade intelectual, vale a pena tecer algumas palavras sobre este contexto.

O contencioso brasileiro em matéria de direito industrial pode ser entendido, grosso modo, como uma estrutura “bifurcada” [7]. Na Justiça Federal, devido a regra processual-constitucional de competência ratione personae, tramitam majoritariamente as ações que exercitam a sindicabilidade [8] erga omnes dos atos administrativos proferidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial no que respeita ao plano da validade, com a inserção obrigatória da Autarquia na lide (Arts. 57 e 175, LPI; vulgarmente, “ações de nulidade”) [9].

Na Justiça Estadual, cível ou criminal, tramitam majoritariamente as ações relativas às hipóteses de contrafação dos bens imateriais atinentes (vulgarmente, “ações de infração”), com a possibilidade de sustação meramente inter partes da eficácia de certos títulos (patente, e. g.), caso provada sua invalidade “em matéria de defesa” [10]. Nada impede que haja o trâmite de “ações de contrafação” na esfera federal, em havendo situações de fato especiais.

Ultrapassando a figura da “bifurcação”, a Justiça do Trabalho também pode ser vista como palco para lides de direito industrial, quando há conflito entre a relação de trabalho e a originação de invento, por exemplo.

O contencioso brasileiro em matéria de direito de autor tramita predominantemente na Justiça Estadual, cível ou criminal, podendo também transcorrer na Justiça Federal ou na Justiça do Trabalho a depender das regras de competência que a situação de fato e a pretensão atraiam. Não há, aqui, qualquer situação de bifurcação.

A fase recursal cível [11] de um caso de direito industrial, ou de direito de autor, apresenta dois retratos frequentes: (I) o cenário do Agravo de Instrumento desafiando alguma decisão interlocutória desfavorável a uma das partes; usualmente visando reformar o deferimento ou indeferimento de uma antecipação de tutela [12], e (II) o cenário da Apelação, usualmente oriunda do inconformismo com a sentença que julgou o mérito, devolvendo-o ao Tribunal. A sustentação oral é garantida pelo CPC para ambas as situações (Art. 937, I e VIII).

Pronunciar com clareza, bem como se fazer entender em méritos jurídicos (materiais e processuais), e técnicos (alheios ao conhecimento do Direito) quando da sustentação oral em direito industrial [13], não é tarefa comezinha. O fato de haver especialização na matéria pelas Câmaras e Turmas de alguns tribunais (a exemplo do que ocorre com o STJ e o TRF2) [14] influencia positivamente na qualidade dos debates e na cognição dos julgadores, ao mesmo tempo em que exige o esmero [15] do profissional da advocacia na construção estruturada dos seus argumentos.

Explicar as razões de colidência, distância ou o ônus de convivência entre registros de sinais distintivos “visualmente perceptíveis” através da fala, é desafiador [16]. Confrontar verbalmente o arrazoado do laudo pericial que escrutinou o mérito tecnológico ou ornamental fundante do título de exclusiva, tão desafiador quanto [17]. Enfatizar de maneira escorreita, em alto e bom som, razões jurídicas e de política pública sobre o sistema de patentes, também [18]. Diferenciar, corretamente, os institutos da prescrição e da decadência no direito industrial, também [19].

Em direito de autor o desafio não se simplifica, mas a natureza literária e artística que o circunda pode proporcionar uma sustentação engenhosa e instigante, principalmente na representação de pessoas autoras e artistas [20].

A antiga pontuação do advogado francês François Beslay é um bom remate para este quadro: “em quase todas as épocas, a arte de falar bem desfrutou de uma liberdade que nenhum poder, por mais absoluto que fosse, ousou invejar.” [21]

 

Notas e Referências:

*Advogado. Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB). Lattes: lattes.cnpq.br/3454846411680183

[1] Esclarecedora a seguinte observação: “Embora diversos institutos processuais tenham evoluído ao longo dos anos, no Brasil, a sustentação oral não tem sido alvo [ou objeto – observação nossa] frequente de estudos teóricos ou de preocupações práticas de aperfeiçoamento que permitam potencializar seu significado no contexto processual. De modo geral, o único foco de atenção tem-se voltado a definir quais recursos, incidentes ou processos devem oportunizar a sustentação oral. Contudo, isso é insuficiente.” (Rodrigo Barioni. A importância da sustentação oral. In: Teresa Arruda Alvim/Nelson Nery Júnior (orgs.). Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2021. [ebook])

[2] “A sustentação oral é extremamente importante nos julgamentos colegiados. É cediço que a presença dos advogados no tribunal conduz, não raro, à reapreciação de votos pré-elaborados pelos relatores e, principalmente, a um melhor exame pelos demais componentes do órgão colegiado.” (Pedro Miranda de Oliveira. Introdução aos recursos cíveis. São Paulo: Tirant lo Blanch Empório do Direito, 2021. p. 309)

[3] “A comunicação é inevitável. É parte da vida. Também faz parte, pois, da vida dos advogados. Não apenas a comunicação técnica e jurídica relativa à sua profissão, mas a comunicação em termos mais amplos. Há quem pense que a seriedade do importante papel que desempenham no Estado de Direito é mais bem salvaguardada por um silêncio profissional interrompido apenas pela sua atividade jurídica ou por algum artigo técnico. Não se enganem. Esta é também uma opção de comunicação. Não comunicar também comunica. Muitas vezes comunica mal, mas comunica.” (Elisa Beni. Comunicación jurídica. Valencia: Tirant lo Blanch, 2016. p. 5 [tradução livre])

[4] “A compreensibilidade é um objetivo comum da comunicação e do direito, tal como a opacidade é uma medida do seu fracasso. […]. A clareza é uma exigência básica do princípio da segurança jurídica.” (Fernando Vives Ruiz. El precio de la oscuridad. In: Mercedes de Prada Rodríguez. El derecho a entender el derecho: alcance y limites del lenguaje jurídico. Valencia: Tirant lo Blanch, 2024. p. 146 [tradução livre])

[5] “No comportar-se em geral com clientes, colegas, funcionários públicos, magistrados e outros operadores da Administração da Justiça, a regra de ouro é a educação, sempre.” (Cristina Carretero González. Comunicación para juristas. Valencia: Tirant lo Blanch, 2019. p. 165 [tradução livre])

[6] A partir da iniciativa “Tela TRF4”, este Tribunal disponibiliza a gravação das sustentações orais diretamente nos autos do processo julgado.

[7] A característica de bifurcação provém justamente da dicotomia de procedimentos. Com origem na realidade da jurisdição alemã, a ideia também é muito difundida na literatura estrangeira por quem escreve sobre a prática de patent/trademark litigation do Brasil. Trazemos a seguir um exemplo disto, sem traduzir para o português, no intuito de enfatizar o contexto: “A common defence against infringement claims is to claim that the patent is actually invalid. Nevertheless, bifurcated legal systems – i.e., systems that set up different proceedings for revocation actions and infringement actions – may not allow invalidity to be presented as a ‘defence’ in infringement proceedings. In those cases, the defendant is forced to bring an independent action if she would like to claim the invalidity of the litigated patent. For instance, this is the current situation concerning the interplay of revocation proceedings and infringement proceedings in Brazil. Unfortunately, the relationship between infringement and revocation proceedings is not clearly addressed by the Brazilian IP Code. As explained above, Brazil has a particular way of (normally) bifurcating infringement and invalidity, as the participation of INPI sends revocation proceedings to the federal courts, where infringement proceedings are only exceptionally litigated. As INPI does not take part in infringement proceedings, a counterclaim starting a revocation action is not allowed. INPI would necessarily be a party in the revocation proceedings and would have to join the proceedings, while the prevailing interpretation of the key provision on counterclaims (CPC, art 315) maintains that no litigants can be added by means of counterclaims. Moreover, joining revocation claims with damage claims in the federal courts is not allowed according to the case law of the Superior Court of Justice. Nonetheless, Article 56, §1st of the IP Code establishes that ‘the invalidity of the patent may be argued at any time as a matter of defence’. Therefore, it is reasonable to interpret this provision as allowing the defendant to claim the invalidity of the patent as an estoppel during infringement proceedings.” (Filipe Fischmann. Patent Enforcement in Brazil. In: Christopher Heath (ed.). Patent Enforcement Worldwide: writings in honor of Dieter Stauder. Oxford: Bloomsbury, 2015. p. 529-530 [grifamos])

[8] Cfr. Milton Lucídio Leão Barcellos. As vicissitudes do processo administrativo no INPI: uma visão tópico-sistemática do controle dos atos administrativos. In: Pedro Marcos Nunes Barbosa/Georges Abboud (orgs.). Direito processual da propriedade intelectual. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2023.

[9] Cfr. (I) Nancy Andrighi/Rodrigo Granado. A intervenção obrigatória do INPI prevista na Lei de Propriedade Industrial sob a ótica do Superior Tribunal de Justiça. In: Fredie Didier Jr./Gustavo Osna/Marcelo Mazzola (orgs.). Processo civil e propriedade industrial. Salvador: Juspodivm, 2022; (II) Alexandre Freitas Câmara/Marcelo Mazzola. A posição processual do INPI nas ações de nulidade: análise do tema pelo STJ. In: Fredie Didier Jr./Gustavo Osna/Marcelo Mazzola (orgs.). Processo civil e propriedade industrial. Salvador: Juspodivm, 2022.

[10] Cfr. (I) Luis Felipe Salomão/Caroline Somesom Tauk. Nulidade de marca e de patente: competência para declaração de forma incidental e principal. In: Fredie Didier Jr./Gustavo Osna/Marcelo Mazzola (orgs.). Processo civil e propriedade industrial. Salvador: Juspodivm, 2024; (II) Felipe Barreto Marçal/Mauricio Rafael Antunes. Afinal, é possível que a Justiça Estadual conheça incidentalmente da nulidade do registro do INPI?. In: Fredie Didier Jr./Gustavo Osna/Marcelo Mazzola (orgs.). Processo civil e propriedade industrial. Salvador: Juspodivm, 2024; (III) Peter Eduardo Siemsen/Rafael Quaresma Bastos. A arguição de nulidade de uma patente como matéria de defesa. In: Fredie Didier Jr./Gustavo Osna/Marcelo Mazzola (orgs.). Processo civil e propriedade industrial. Salvador: Juspodivm, 2024.

[11] “A atividade recursal consiste, exatamente, em retornar a lide ao ponto de partida para que todo o raciocínio contido no julgamento impugnado seja revisto, com o fito de averiguar o acerto ou o desacerto da decisão, por esta razão chamada decisão recorrida.” (Pedro Miranda de Oliveira. Introdução aos recursos cíveis. São Paulo: Tirant lo Blanch Empório do Direito, 2021. p. 27)

[12] Cfr. (I) Pedro Marcos Nunes Barbosa. Tutelas de urgência e patentes de invenção. In: Pedro Marcos Nunes Barbosa/Georges Abboud (orgs.). Direito processual da propriedade intelectual. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2023; (II) Ana Paula Affonso Brito Woldaynsky/Maria Eduarda Borrelli Junqueira. A tutela de urgência no âmbito da jurisdição estadual da propriedade industrial. In: Pedro Marcos Nunes Barbosa/Georges Abboud (orgs.). Direito processual da propriedade intelectual. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2024; (III) João Vieira da Cunha/Camila Avi Tormin. Aplicação e contornos do instituto da tutela antecipada em caráter antecedente em casos de propriedade industrial. In: Fredie Didier Jr./Gustavo Osna/Marcelo Mazzola (orgs.). Processo civil e propriedade industrial. Salvador: Juspodivm, 2024.

[13] Como bem visualiza determinado Desembargador do TRF2, a matéria apresenta “muitas minúcias”. (Cfr. Sessão de Julgamento de 10/11/2022, 1ª Turma Especializada, TRF2. sessoesdejulgamento.trf2.jus.br/videos/25903/watch – [26:00 – 26:50])

[14] No caso do TRF2, a Primeira e Segunda Turmas apresentam especialização em Propriedade Industrial, junto à Direito Penal (no que respeita a primeira instância, vide Resolução TRF-RSP-2024/00055). No caso do STJ, a Terceira e a Quarta Turmas (Segunda Seção) apresentam especialização em direito privado, concentrando as demandas de propriedade intelectual originadas nas Justiças Estadual e Federal (portanto, também as que o INPI é parte). Cfr. a observação do advogado da apelada S., em sua sustentação oral, sobre a reconhecida especialização do TRF2: Sessão de Julgamento de 27/09/2022, 2ª Turma Especializada, TRF2. sessoesdejulgamento.trf2.jus.br/videos/25830/watch – [03:00:55 – 03:01:30])

[15] Cfr. (I) “Sua voz é a soma de suas decisões estilísticas.” (Antonio Gidi. Redação jurídica estilo profissional: forma, estrutura, coesão e voz. Salvador: Juspodivm, 2024. p. 537); (II) “Uma boa escrita tem uma aparência convincente. Mas não é só uma boa aparência numa página: ela soa bem.(William Germano. On revision: the only writing that counts. Chicago: University of Chicago Press, 2021. [ebook] [tradução livre])

[16] Cfr., por exemplo, a sustentação oral muito bem concatenada, proferida pelo patrono da apelante C. em caso versando registro de marca sub judice (Sessão de Julgamento de 10/07/2024, 1ª Turma Especializada, TRF2. sessoesdejulgamento.trf2.jus.br/videos/26794/watch – [11:10 – 17:48])

[17] Cfr., por exemplo, as sustentações orais proferidas pelo patrono da apelante P. e da apelada H. em caso versando patente sub judice (Sessão de Julgamento de 28/05/2024, 2ª Turma Especializada, TRF2. sessoesdejulgamento.trf2.jus.br/videos/26737/watch – [01:15 – 09:58])

[18] Cfr., por exemplo, a sustentação oral proferida pelo patrono da ABIFINA. em repetitivo versando prazo de vigência de patentes soergidas pelo regime mailbox (Sessão de Julgamento de 23/02/2022, Segunda Seção, STJ. youtube.com/live/gcbFCkP4drg?si=puC8AeedyTc7dhHK&t=16820 – [04:40:20 – 04:47:25])

[19] Cfr., por exemplo, a sustentação oral proferida pelo patrono da apelada G. em caso versando marcas sub judice (Sessão de Julgamento de 23/07/2024, 2ª Turma Especializada, TRF2. sessoesdejulgamento.trf2.jus.br/videos/26803/watch – [01:01:34-01:07:12])

[20] Cfr., por exemplo, (I) a sustentação oral proferida pelo patrono da apelante A. (Sessão de Julgamento de 19/10/2023, 8ª Câmara Cível, TJPR. youtube.com/live/ZOYQb7CZbP0?si=NhG64_jTWU9MzBvJ&t=6772 – [01:52:52 – 02:05:28]); e (II) a sustentação oral proferida pelo saudoso autoralista Carlos Fernando Mathias de Souza (Sessão de Julgamento de 26/04/2022, Terceira Turma, STJ. youtube.com/live/wJT-8eb1xB0?si=vebCXpmYjd9830YA&t=7511 – [02:05:11 – 02:21:46]), ambas versadas em direito de autor.

[21] François Beslay. Des formes et du style de la plaidoire. Paris: W. Remquet, Goupy et Cie, 1860. p. 73 [em domínio público no gallica.bnf.fr] [tradução livre]

 

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