Clube do livro

Viva o povo brasileiro

João Ubaldo Ribeiro
Alfaguara, 639 páginas

 

Publicado em 1984, ‘Viva o povo brasileiro’ se propõe uma tarefa muito ‘simples’: narrar a formação da identidade brasileira. O que poderia facilmente resultar em um desastre completo nas mãos de um escritor hesitante, nas de Ubaldo Ribeiro ganha dimensões épicas.

Perpassando três séculos (do XVII ao XX), o livro tem um ritmo crescente de complexidade à medida que as histórias vão se encadeando, que as vidas vão se sucedendo, que o Brasil vai acontecendo. A violência da escravidão é sublinhada nas suas rotineiras formas; a resistência dos escravizados e dos mais pobres contrasta com a opulência do baronato e da burguesia; o deslumbramento tolo com o que vem de fora e ignora as próprias lutas.

Sem soar panfletário, Ubaldo Ribeiro constrói um romance de luta. Porque é disso que se trata, de muito suor e de muita luta. Se existe uma coisa que a História nos ensina é que os direitos sociais nunca são entregues em liberalidade, mas conquistados a duras penas por entre privilégios cristalizados.

Com uma ironia ora latente, ora escancarada, a narrativa oscila entre a desilusão e a esperança, fazendo com que em uma haja sempre a outra, em um movimento conflituoso no qual o leitor não abandona a expectativa de que o Brasil floresça, embora traga sempre consigo um descrédito carrancudo. Se bem pensadas as coisas, já o título deixa isso muito claro. Porque, a depender do estado de espírito de quem lê, ‘Viva o povo brasileiro’ pode soar como exaltação ou sarcasmo.

Monumental, o livro vale cada segundo de esforço. Para que não nos esqueçamos de nós mesmos, para que comecemos a dimensionar o tamanho da nossa grandeza e das nossas contradições enquanto povo.

“– Guerra Civil! Mas esta guerra civil não terminará por aqui, com a derrota nesta batalha, esta guerra civil continuará pelos tempos afora, assumirá muitas caras e nunca deixará de assombrar vocês, até que cesse de existir um país que em vez de governantes tem donos, em vez de povo tem escravos, em vez de orgulho tem vergonha. O poder do povo existe, ele persistirá. Ele também tem seus heróis, que vocês não conhecem, os verdadeiros heróis, porque heróis da vida, enquanto os seus são heróis da morte.” (p. 535)

“– A que diabo de povinho você se refere? Para você, todo mundo é povinho, com exceção dos quatro ou cinco gatos pingados que você julga estarem a sua altura. Que povinho? Todos? Porque são todos, realmente todos os brasileiros, a que você se refere com esse desprezo. Eu não quero dizer que seus benditos privilégios devam ser tomados, fiquem com eles, mas veja que para isso não é necessário escravizar o povo, mantê-lo na miséria, na ignorância e na doença. Não está vendo que não pode haver um país decente, um país forte, como você diz, cujo povo seja de escravos, miseráveis, doentes e famintos?” (p. 555)

 

Colunista

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Renato Dowsley
Mestre em Direito pela Unicap. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e da Rede Brasileira Direito e Literatura. Advogado.

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