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Aula 11 – A Tutela Provisória no CPC – 5ª. Parte: a tutela preventiva para além do Livro V da Parte Geral do CPC: a questão da tutela inibitória – 2ª. Parte

Voltando, repitamos a pergunta: é a inibitória uma tutela de tipo satisfativo?

 

Como já mencionado alhures, quando se fala de satisfação de um direito (ou de interesse qualquer juridicamente relevante), há, quanto ao momento de satisfação, dois modos em que isso se faz possível.

 

Nesse sentido, a satisfação pode ser:

 

i) em fluxo contínuo, espraiada no tempo;

ii) punctual, num determinando ponto do tempo, ou em pontos sucessivos do tempo.

Aplicando isto à tutela inibitória, teremos, a princípio, o seguinte[1]:

 

i) no caso do fluxo contínuo, a inibição não se dá, propriamente, em satisfação do direito, mas sim para possibilitar-lhe que o seja[2];

ii) quando a realização (satisfação) se dá punctualmente, o agir inibitório pode representar a própria satisfação[3], mas, por outro lado, ter finalidade assegurativa. Observemos um exemplo para mais adequadamente esclarecer este último caso.

 

Suponhamos que A deva entregar a coisa X a B. A descobre que B, devedor, está na iminência de fazer a entrega do referido bem a C. Assim, diante da iminente possibilidade do ilícito por ser cometido por B, A pede judicialmente o sequestro da coisa ou, no mínimo, uma ordem para que ela não seja entregue a C.

 

No caso, o ato de sequestro requerido e, mais ainda, a não entrega da coisa a C, isto de modo subsidiário, não consiste, propriamente, na satisfação do direito de A, algo que se daria com a sua efetiva imissão na posse, mas sim apenas na asseguração de que tal direito virá a poder ser realizado sem, ao menos, nenhum embaraço.

 

Conquanto não seja algo dele exclusivo, este caso impele-nos a dizer que a tutela inibitória, ao menos em preponderâncias, não se enquadra no perfil próprio da dita tutela satisfativa (tutela antecipada, na expressão do CPC). Mais que isso, no mínimo neste caso, ela tende à chamada tutela assegurativa[4].

 

Não há – não plenamente, ao menos – como encaixá-la no perfil dado pelo CPC chamado de tutela antecipada. Isto porque, na forma do caput do art. 303, esta última refere-se à realização (satisfação) de direitos.

 

Não obstante, ainda que o fosse, há uma consideração que deve ser feita. Se vista como tutela de urgência, a tutela antecipada, tal como a dita tutela cautelar, também se baseia no perigo de dano ou, até mesmo, no perigo de dano por força de resultado processual inútil.

 

E, nesse sentido, sabemos que, até por força do previsto no p. único do art. 497, CPC, a tutela inibitória é indiferente à ideia de perigo de dano, de qualquer tipo que seja, refere-se tão-somente da pura e simples possibilidade da ocorrência de um ilícito.

 

Logo, mais um motivo para não ser possível encaixar a tutela inibitória, que é prevista no próprio CPC, como uma tutela antecipada.

 

Se não é simples fazer tal encaixe no âmbito da chamada tutela cautelar, também o é – e talvez com mais força – no âmbito da chamada tutela antecipada.

 

A tutela inibitória, portanto, fica como que num limbo procedimental.

 

Isto já é demonstração suficiente de que o sistema de tutela provisória, previsto na Parte Geral do CPC, é, ao menos quanto ao aspecto procedimental, muito mal projetado, muito ruim, enfim.

 

Desse modo, como procedimentalizar o pedido de tutela inibitória?

 

Pelo procedimento comum, arts. 319 e segs.?

 

Mas, mesmo no procedimento comum, a tutela de urgência necessita do previsto no sistema de tutela provisória da Parte Geral do CPC, pois lá, como já sabemos (p. único do art. 294), há o estabelecimento de que tal tutela pode ser requerida de modo incidental, isto é: no curso do procedimento, qualquer que o seja, inclusive o próprio procedimento comum.

 

Não há, desse modo, como fugir do sistema de tutela provisória se se pretende obter a medida de um modo antecipado, ou seja, antes do momento final do procedimento, salvo quando a própria previsão do procedimento estabelece, especificamente, uma tutela de tipo provisório, como se dá com as ações possessórias de força nova (art. 562, CPC) e com o mandado de segurança (art. 7º., III, Lei n. 12.016/09).

 

E, nesse sentido, não há previsão específica de procedimento para a tutela inibitória prevista no p. único do art. 497, CPC

 

É necessário, portanto, adaptar o regramento à realidade.

 

É preciso estabelecer – como, na prática, já está estabelecido – um costume contra legem.

 

Este, não no sentido de ilicitude propriamente, mas sim de adaptação do sistema à realidade para a qual ele é, no mínimo, insuficiente: uma irredutibilidade dele a ela.

 

O sistema de tutela provisória da Parte Geral do CPC é, no ponto, insuficiente para aquilo que o próprio CPC (p. único do art. 497) prevê. Insuficiente, no caso, à concretização da tutela inibitória.

 

Desse modo, qual adaptação se faz possível para sanar esse déficit ou, mais propriamente, qual é a melhor adaptação possível pata tanto?

 

É o que veremos na próxima aula.

 

Até lá.

 

Notas:

[1] Devo frisar que o item acima já foi elaborado de um modo tanto diverso do que falei na aula que o possibilitou. Isto é devido ao fato de que, refletindo (também, ao menos em parte, em momento de aula) mais adequadamente sobre o tema, passei a entender não só a ocorrência de uma tutela inibitória mais tendente à satisfatividade, como também, e principalmente, que a asseguração, embora se faça presente, não é, tal como demonstra-se em nota abaixo, necessária a esse tipo de tutela.

[2] Como a satisfação em fluxo contínuo dá-se a todo tempo, o ato de inibir (o impedimento a que a concessionária de energia efetue o corte de fornecimento ao consumidor, por exemplo) consiste não na satisfação em si, mas em algo que a faz possível, algo que impede a ocorrência de solução de continuidade. A satisfação, que já se dava, continuará a se dar. Em estrito rigor, a inibição aqui tem finalidade assegurativa, mas uma asseguração que, por se confundir temporalmente com a satisfação da coisa assegurada, acaba passando meio despercebida. Sua existência é mais lógica que experiencial.

[3] Aqui, basta atentarmos para a hipótese de uma ação de cobrança em virtude de vencimento antecipado da dívida por algo imputável ao devedor (hipóteses do art. 333, CC, acima de tudo). Neste caso, pela possibilidade do inadimplemento (ilícito), age-se visando a impedi-lo, isto, se não para já propriamente forçar o pagamento (expropriando bens), no mínimo para condenar o devedor a pagar.

[4] Em rigor (e, possivelmente, até mesmo de modo contrário a algo que disse em aulas anteriores), penso que não se pode equiparar – nem mesmo por mera semântica – os termos tutela assegurativa e tutela preventiva. A razão é simples: o primeiro designa algo que se dá para garantir que outro possa vir a ser satisfeito; o segundo, algo que se dá para impedir a lesão a outro. O primeiro termo leva em conta, acima de tudo, o aspecto finalístico; o segundo, o essencial. Nesse sentido, a tutela inibitória – que, por natureza, é preventiva – pode ser assegurativa, como ocorre no exemplo acima citado, mas, exatamente por isso, também pode não o ser, que é o que ocorre – com aparente pretensão de universalidade – na tutela inibitória referente a direito de satisfação em fluxo contínuo.

 

Colunista

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Roberto Campos
Doutor e Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil da Unicap. Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Advogado e Consultor Jurídico.

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