AcessibilidadeDestaques recentesNovidadesVoz e Vez da Pessoa com Deficiência

A CURATELA À LUZ DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Na terceira publicação da coluna Voz e Vez da Pessoa com Deficiência da página Juridicamente, continua-se a desbravar sobre as mudanças provocadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência na teoria das incapacidades adotada pelo Código Civil de 2002. Em rápida contextualização, o texto anterior abordou sobre as alterações no rol da incapacidade relativa e a revogação de determinadas hipóteses da absoluta.

Além disso, a Lei nº 13.146/15 também trouxe a previsão de que os atos pessoais da vida civil da pessoa com deficiência não seriam restringidos, apenas limitando a participação com auxílio de terceiro para a prática daqueles tidos negociais. É importante mencionar que as referidas mudanças no ordenamento jurídico se deram para buscar a emancipação do grupo hipossuficiente em foco, permitindo a participação plena dos sujeitos em suas vidas civis.

Neste post também será destacado que a pretensão não é exaurir o estudo sobre o instituto da curatela, uma vez que este deverá ser conduzido pelas colunas civilistas dedicadas ao debate sobre o direito de família. Aqui, o escopo é observar com os dispositivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência que alteraram a teoria das incapacidades dialoga com a busca pela inclusão social plena.

Todavia, mister se faz contextualizar o conceito de curatela para a posterior abordagem. Cita-se o escólio de Flávio Tartuce (2021, p. 837) para tanto:

 

[…] a curatela igualmente é instituto de direito assistencial, para a defesa dos interesses de maiores incapazes. Assim como ocorre com a tutela, há um munus público, atribuído pela lei. São partes da curatela o curador e o curatelado. A curatela também é conceituada como um instituto que visa à representação de maiores incapazes […].

 

Tartuce (2021, p. 837) prossegue quanto aos indivíduos que poderão ser submetidos à curatela:

 

Estão sujeitos à curatela os maiores incapazes. Como visto, não existem mais absolutamente incapazes maiores, por força das alterações que foram feitas no art. 3.º do Código Civil pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015). Nessa linha, a curatela somente incide para os maiores relativamente incapazes que, na nova redação do art. 4.º da codificação material, são os ébrios habituais (no sentido de alcoólatras), os viciados em tóxicos, as pessoas que por causa transitória ou definitiva não puderem exprimir vontade e os pródigos. Como antes exposto, não há mais a menção às pessoas com discernimento mental reduzido e aos excepcionais, tidos agora como plenamente capazes pelo sistema.

 

Dessa forma, extrai-se que a curatela será o instituto aplicável para os indivíduos declarados como relativamente incapazes – seguindo os ditames do artigo 4º do Código Civil –, nomeando-se um terceiro, denominado curador, para auxiliar na prática de atos da vida civil. No tocante às pessoas com deficiência, apenas serão submetidos os sujeitos insertos no rol dos relativamente incapazes, havendo a presunção da capacidade plena com vistas a permitir a participação social plena.

O próprio artigo 84 da Lei nº 13.146/15 preceitua que é assegurado o direito da pessoa com deficiência ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas, havendo a possibilidade de coloca-la sob o manto da curatela quando necessário. Constata que tal medida protetiva é extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstancias de cada, e durando o menor tempo possível. Em outras linhas, o instituto em comento deve ser breve, com o mínimo de duração que for possível, e excepcionalíssima.

A Lei Brasileira de Inclusão ainda determina expressamente em seu artigo 85, §1º, que, ao nomear curador, o juiz dê preferência para quem possua vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado. Quanto aos efeitos, a presente medida afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançando o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à saúde, ao trabalho, ao voto, etc. Por ser mecanismo excepcional, deve constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado.

Conclui-se, porquanto, que os atos pessoais da vida civil da pessoa com deficiência curatelada são preservados para continuarem exclusivos para seu exercício direto, sem a intervenção de terceiros. Nesse caso, o que sofre com restrição é a prática dos atos negociais. Inclusive, anota-se que a alteração normativa trouxe discussões e pensamentos contrários, como assinala Tartuce (2021, p. 837):

 

Apesar dessas constatações, fica a dúvida se não seria interessante retomar alguma previsão a respeito de maiores absolutamente incapazes, especialmente para as pessoas que não têm qualquer condição de exprimir vontade e que não são necessariamente pessoas deficientes. Reitere-se que o presente autor entende que sim, havendo proposição nesse sentido no texto original do Projeto de Lei 757/2015, com o nosso apoio e parecer, o que infelizmente acabou por não ser adotado no parecer final da proposição legislativa. Cite-se, novamente e a esse propósito, a pessoa que se encontra em coma profundo, sem qualquer condição de exprimir o que pensa. No atual sistema, será enquadrada como relativamente incapaz, o que parece não ter sentido jurídico. Justamente por isso acompanharemos o seu trâmite legislativo na Câmara dos Deputados, com o fim de incluir previsão nessa linha (PL 11.091/2018).

 

Inicialmente, cumpre expor que, apesar das pontuações sobre os aspectos prejudiciais trazidos pela mudança legislativa, não há que se olvidar que o posicionamento normativo é para efetivar a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, trabalhando com instrumentos que permitem resultados práticos em prol da inclusão social.

Entretanto, este autor compartilha das preocupações elencadas por Flávio Tartuce, haja vista que o grupo das pessoas com deficiência não se apresenta como homogêneo, possuindo particularidades em cada sujeito o que impossibilidade a tomada de medidas e de decisões generalistas. Para tanto, a próxima postagem trabalhará com um aspecto prático para discutir os efeitos na luta pela inclusão social. Através da discussão sobre o direito ao voto, será possível ver as alterações trazidas pela LBI em uma ótica prática.

 

Referências:

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2021.

Colunista

Avalie o post!

Incrível
0
Legal
0
Amei
0
Hmm...
0
Hahaha
0
Murilo Muniz Fuzetto
Doutorando e mestre em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). Bacharel em Direito e Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Toledo Prudente Centro Universitário. . Supervisor de Prática Profissional na Toledo Prudente, auxiliando nas disciplinas de Estágio Supervisionado I (meios autocompositivos de solução de conflitos) e de Estágio Supervisionado II (arbitragem). . Advogado. Sócio do escritório Fuzetto & Zago Advocacia e Consultoria.

    Você pode gostar...

    Leave a reply

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    dezesseis − 1 =