Breve análise da Reforma Tributária no Brasil e seus “impactos” na regressividade fiscal
Desde os primeiros ensaios escritos nessa coluna, tive a preocupação de trazer os dados que demonstram a regressividade do sistema tributário brasileiro.
Apesar de termos insculpido na Constituição Federal de 1988 o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º), determinando que a carga tributária deverá ser mais pesada sobre aquelas pessoas que possuem mais condições de contribuir para o funcionamento do Estado através do pagamento de tributos, assistimos a uma tributação severa sobre o consumo (cerca de 50% do total da carga tributária brasileira), o que atinge de forma mais crítica as classes mais baixas da pirâmide social (haja vista os mais pobres e a classe média baixa gastarem quase a totalidade de seus salários com consumo).
A regressividade do sistema tributário (situação descrita no parágrafo anterior) é um problema que ainda não teve sua importância reconhecida pelas instâncias de poder (Poderes Executivo e Legislativo).
Atualmente vemos todos os dias nos jornais a discussão para a aprovação da “reforma tributária” que está para ser votada no Congresso Nacional. Mas será que os textos normativos em tramitação no Legislativo Federal respondem à necessidade de reduzir a regressividade fiscal?
Temos quatro propostas de alteração normativa em tramitação no Congresso Nacional, quais sejam:
a. Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC) nº 45/2019, de autoria do então Deputado Federal Baleia Rossi, tendo como ideia a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), extinguindo cinco tributos: IPI, PIS, Cofins (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal). A arrecadação seria centralizada na União, que através da criação de um comitê gestor faria a distribuição das respectivas quantias.
b. Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC) nº 110/2019, apresentada pelo Senado Federal, e tem como ideal criar o um Imposto sobre Bens e Serviços, unificando tributos sobre consumo, tal como a PEC nº 45/2019, mas prevê a criação de um IBS federal, um IBS estadual/municipal e um imposto seletivo para suprir o desfalque pela extinção do IPI. O IBS seria pago 100% ao local de destino do bem ou serviço, obedecendo a um prazo de transição.
c. Projeto de Lei nº 3.887/2020: apresentado pelo Governo Federal, tendo como ideia principal a instituição da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços – CBS, extinguindo PIS e COFINS, mas permanecendo na competência federal.
d. Projeto de Lei nº 2.337/2021: proposta também pelo Governo Federal e que busca alterar normas sobre imposto de renda.
Apesar das propostas de alteração normativa trazerem outros pontos, também relevantes, o que interessa para a análise de hoje são os pontos levantados sobre as Propostas de Emenda à Constituição Federal (PECs) nº 45 e 110/2019.
De fato, a grande vilã hoje, no sistema tributário brasileiro, é a organização dos tributos sobre o consumo, seja porque existem muitos tributos sobre consumo (o que ocasiona a existência de diversas legislações sobre o tema, o que dificulta para que o consumidor/contribuinte entenda a forma como está sendo tributado); seja porque a tributação sobre o consumo é a grande mantenedora do arcabouço tributário do país. Sobre o tema, vejam o texto “Sistema Tributário Regressivo e Desigualdade Social”, publicado neste site: https://juridicamente.info/sistema-tributario-regressivo-e-desigualdade-social/
De acordo com os noticiários, o Congresso Nacional está prestes a votar a PEC nº 45/2019, tendo como principais pontos de alteração no texto atualizado:
i. A criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), extinguindo os seguintes tributos: ICMS (competência dos Estados) e ISS (competência dos Municípios). O referido imposto seria repartido entre Estados e Municípios, e seria administrado pelo Conselho Federativo, composto pelas Fazendas estaduais e municipais, o qual seria dotado de independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira, com decisões tomadas a partir de votos distribuídos de forma paritária entre os entes.
ii. A criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, extinguindo as contribuições PIS e Cofins e o IPI.
iii. A previsão de que a alíquota e arrecadação estarão vinculadas ao local do consumo/destino.
iv. A criação de um Imposto Seletivo (IS) a ser aplicado sobre produtos entendidos como prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
A contribuição da proposta de reforma tributária discutida no Congresso Nacional neste ano de 2023, diz respeito apenas à simplificação da cobrança dos tributos sobre o consumo. Simplificação que é importante para o contribuinte, pois facilitará seu conhecimento acerca de qual tributo está pagando e [espera-se] facilitará também os meios de arrecadação, evitando o não-pagamento involuntário dos tributos.
No entanto, a reforma discutida não resolve o ponto crucial do Sistema Tributário Brasileiro, que se encontra na regressividade tributária.
De acordo com Jefferson Nascimento, coordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil e doutor em Direito pela USP:
“O sistema tributário amplia a desigualdade porque a maior parte se concentra nos impostos indiretos, sobre consumo, que penaliza quem ganha menos. Está se falando em simplificação, mas não se fala em reduzir carga de consumo. Isso limita o sistema tributário enquanto mecanismo de redução de desigualdade” [1]
A Confederação Nacional do Comércio analisou a atual proposta de reforma discutida, e apresenta os seguintes dados: o setor de serviços no Brasil pagaria hoje uma tributação em torno de 8% (oito por cento), considerando os tributos federais, estaduais e municipais. Com a reforma, subiria para 25% a carga tributária sobre serviço, comprometendo mais de três milhões de empregos[2].
Com esses valores, percebe-se que as classes que já sofrem com uma alta carga tributária sobre consumo, piorariam sua situação na realidade fiscal brasileira, atingindo em cheio a classe média e as classes mais baixas.
O texto da reforma ainda não foi aprovado, e encontra-se em discussão no Poder Legislativo Federal.
No entanto, percebe-se que o principal foco das alterações propostas passa longe de tentar reduzir a regressividade do sistema tributário brasileiro, e buscar reduzir minimamente as desigualdades sociais. Pelo contrário, em relação a setores como o de prestação de serviços, percebemos que poderá ocorrer um aumento significativo do valor final do serviço, pelo aumento da faixa média de alíquota (que passará de 8% para 25%), o que se será sentido de forma mais pesada pela classe média, e ocasionará uma maior disparidade social.
A simplificação do sistema tributário é importante e necessária, mas nossos “representantes” políticos estão negligenciando pontos mais sensíveis e importantes para a sociedade e para o crescimento de nosso país, como um lugar menos desigual e mais preocupado com uma justiça fiscal e social.
Referências:
[1] Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-06/reforma-tributaria-foco-no-consumo-limita-reducao-de-desigualdades#:~:text=%E2%80%9CO%20sistema%20tribut%C3%A1rio%20amplia%20a,em%20reduzir%20carga%20de%20consumo. Acesso em: 05 jul. 2023.
[2] Disponível em: https://fenacon.org.br/reforma-tributaria/reforma-tributaria-iva-em-25-e-ameaca-a-38-milhoes-de-empregos-no-setor-de-servicos/#:~:text=Um%20estudo%20da%20Confedera%C3%A7%C3%A3o%20Nacional,3%2C8%20milh%C3%B5es%20de%20empregos. Acesso em: 05 jul. 2023.