Razão de decidirTJMG

O reconhecimento fotográfico no Processo Penal

No processo penal, sendo necessário o reconhecimento de pessoa, deverão ser observadas às formalidades legais, dispostas no art. 226 do Código de Processo Penal (CPP), para a realização do procedimento. Vejamos:

 

Art. 226.  Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; Il – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

 

Em consonância com o entendimento exarado pelos Tribunais Superiores, sempre prevaleceu o entendimento de que “eventuais irregularidades relativas ao reconhecimento pessoal do acusado não ensejam nulidade, uma vez que as formalidades previstas no art. 226 do CPP funcionam como meras recomendações legais” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único – 8ª ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020, p. 787).

Contudo, a Sexta Turma do STJ, no julgamento do HC nº 598.886, de Relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, publicado em 18/12/2020, sugestionou uma nova interpretação ao art. 226 do CPP, assentando que o “reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa“.

Posteriormente, em 22/02/2022, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o RHC nº 206.846/SP, decidiu que a “desconformidade ao regime procedimental determinado no art. 226 do CPP deve acarretar a nulidade do ato e sua desconsideração para fins decisórios, justificando-se eventual condenação somente se houver elementos independentes para superar a presunção de inocência” (Informativo 1045/2022).

Em virtude do entendimento esboçado pela Corte Superior, a 8ª Câmara Criminal do TJMG, ao julgar o habeas corpus nº 1.0000.23.113925-4/000, decidiu unanimemente quanto à tese de nulidade:

EMENTA: “HABEAS CORPUS”. RECEPTAÇÃO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRELIMINARMENTE. ILEGALIDADE DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. INSTRUÇÃO DEFICITÁRIA E POSSÍVEL SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. MÉRITO. MÁCULA NO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. INOCORRÊNCIA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. IMPOSSIBILIDADE. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. INSUFICIÊNCIA. FIXAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. – Não se conhece parcialmente de “habeas corpus” que, de plano, não apresente documentação e informações mínimas a comprovar a verossimilhança alegada ou elucidar os fatos e eventuais atos coatores combatidos, podendo, inclusive, eventual análise importar em indevida supressão de instância, pois, como sabido, o presente remédio heroico não comporta dilação fático-probatória. – O reconhecimento fotográfico do paciente, sobretudo durante a fase inquisitorial, deve atender necessariamente às disposições e formalidades exigidas pelo art. 226 do Código de Processo Penal, inexistindo, porém, vícios ou nulidades a macular a identificação, quando presentes nos autos indícios outros suficientes de autoria delitiva. […] (TJMG –  Habeas Corpus Criminal  1.0000.23.113925-4/000, Relator(a): Des.(a) Âmalin Aziz Sant’Ana , 8ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 01/06/2023, publicação da súmula em 02/06/2023).

 

A Desembargadora Âmalin Aziz Sant’Ana, relatora do acórdão, consignou em seu voto que, havendo dissonância entre o procedimento realizado e o descrito no art. 226 do CPP, somente é apto o reconhecimento quando “outros elementos dos autos, produzidos à luz dos princípios da ampla defesa e do contraditório, possam aferir indícios mínimos de autoria”, o que, sob a ótica da Magistrada, existia no caso analisado, sendo “possível extrair dos documentos colacionados ao presente feito a existência de prova da materialidade delitiva e indícios mínimos de autoria, consubstanciados, principalmente, no que se apura do auto de prisão em flagrante delito” (TJMG –  Habeas Corpus Criminal  1.0000.23.113925-4/000, Relator(a): Des.(a) Âmalin Aziz Sant’Ana, 8ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 01/06/2023, publicação da súmula em 02/06/2023).

Feitas essas considerações, verifica-se a necessidade de observância às formalidades descritas no art. 226 do CPP, sendo possível a mitigação desses requisitos somente quando existentes nos autos outros elementos probatórios independentes que revelem a autoria do delito, os quais deverão ser analisados com base no caso concreto, ensejando, assim, em uma maior garantia aos direitos efetivados em lei.

Colunista

Avalie o post!

Incrível
3
Legal
2
Amei
0
Hmm...
0
Hahaha
0
Brenda Nascimento
Mestranda em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Ciências Criminais. Graduada em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Assistente Judiciário no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG).

    Você pode gostar...

    Leave a reply

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    5 × dois =