É obrigação dos entes federais a prestação de serviço de home care?
É certo que o direito à saúde é garantia constitucional do cidadão, conforme a Constituição Federal de 1988 estabelece em seus artigos 6º e 196, in verbis:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Esses dispositivos estabelecem que é dever constitucional do Estado (e quando digo Estado incluo todos os entes federativos) prover a saúde pública de maneira universal e igualitária, colocando em prática medidas que assegurem a prevenção e recuperação dos males causados pelas doenças.
Dessa forma, percebemos que a saúde é um direito subjetivo oponível a todo o Poder Público, que impõe o fornecimento de prestações positivas em favor do indivíduo portador de uma enfermidade, independentemente de qualquer contrapartida ou comprovação de contribuição do beneficiário direto.
Tecidas essas considerações, o Tribunal de Justiça de Pernambuco entendeu, no caso em análise, que é dever do Estado o fornecimento de Home Care como tratamento médico-hospitalar a quem não puder arcar com os seus custos.
Pontuou o Tribunal que não estava intervindo na atividade administrativa, pois estaria apenas cumprindo a obrigação constitucionalmente prevista que fixa como competência do Estado cuidar da saúde e assistência públicas, bem como da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.
Tanto que, acerca do tema, este Tribunal aprovou enunciado sumular, in verbis: Súmula 51: “O Estado e o Município, com cooperação técnica e financeira da União, têm o dever de garantir serviço de atendimento à saúde da população, inclusive disponibilizando leitos de UTI na rede privada, quando não suprida a demanda em hospitais públicos”.
Ainda, de acordo com o órgão julgador, o deferimento do serviço de Home Care estaria justificado a partir da supremacia do direito à vida e à saúde em detrimento ao interesse patrimonial do Estado.
E assim, apesar de reconhecer que os serviços do Estado não são inesgotáveis e que há outros cidadãos necessitando do Home Care, entendeu que o “Judiciário deve sim, compelir à Administração a cumprir com o seu dever, determinando-lhe que atue naquele caso concreto como deveria atuar em todos os demais, visto que nenhuma valia tem uma Administração Pública que sequer assegura as mínimas condições de dignidade aos seus cidadãos”.
Contudo, entendo ser necessário ressaltar que com relação ao serviço de prestação de atendimento domiciliar, a Portaria nº 825/2016, do Ministério da Saúde, redefiniu a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, estratégia conhecida como “Melhor em Casa”, uma modalidade de atenção à saúde composta por profissionais da área de saúde capazes de promover cuidados multidisciplinares, oferecida no domicílio e caracterizada por um conjunto de ações de promoção à saúde, prevenção e tratamento de doenças e reabilitação, com garantia da continuidade do cuidado e integrada às Redes de Atenção à Saúde.
Por meio dessa Portaria, os municípios se habilitam, junto ao Ministério da Saúde, para oferecer a assistência domiciliar, sendo os profissionais da Atenção Primária habilitados a realizar atenção domiciliar de menor complexidade. Para os casos de alta complexidade, o SUS disponibiliza as unidades ou hospitais de Cuidados Prolongados mediante solicitação de vaga na central de leitos.
Assim, justificaria a intervenção judicial na política de saúde a cargo do Poder Executivo, vez que não houve recursa em ofertar o tratamento ao autor, tampouco o serviço de saúde a ele proporcionado no hospital público se revela insuficiente?
É sabido que deve ser sopesado os princípios e direitos envolvidos, inclusive o princípio da dignidade humana, mas não se pode ignorar as consequências econômicas das decisões judiciais. A assistência domiciliar pleiteada envolve custos extras ao sistema de saúde, visto que há a necessidade de deslocar profissionais para tratamento individualizado.
Dessa forma, indago: Os entes federativos estariam de fato obrigado a prestação do serviço de Home Care? Se sim, qual a utilidade do serviço de Atenção Domiciliar? Há a sobreposição das decisões judiciais frente as Políticas Públicas?
Dados do processo interpretado já formatados para citação:
(TJPE; Agravo de Instrumento 0017435-36.2022.8.17.9000; Relator (a): Waldemir Tavares de Albuquerque Filho; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Data do Julgamento: 07/02/2023; Data de Registro: 11/11/2022)
Ementa do processo interpretado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CONSTITUCIONAL. HOME CARE. TRATAMENTO ESSENCIAL À SAÚDE. PACIENTE PORTADOR DE PARALESIA CEREBRAL, TETRAPLEGIA ESPÁSTICA, HERNIA HIATAL POR DESLIZAMENTO E ESOFAGITE EROSIVA GRAVE. DEVER DO PODER PÚBLICO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À ISONOMIA OU À LEGALIDADE. SÚMULA 51 DO TJPE. ASTREINTES MANTIDAS. PRAZO AMPLIADO. DADO PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO UNÂNIME. 1. Comprovou o agravado (ID nº 110907384 dos autos originários), a imprescindibilidade de HOME CARE, requerido pela médica Dra. Yosleine Viltres Alvarez – RMS 2601240, por ser portador de PARALESIA CEREBRAL, TETRAPLEGIA ESPÁSTICA, HERNIA HIATAL POR DESLIZAMENTO e ESOFAGITE EROSIVA GRAVE. 2. Observo que o direito à saúde é garantido pela Constituição Federal (art. 196) como dever do Estado, constituindo obrigação tanto o fornecimento de Home Care, como o tratamento médico-hospitalar a quem não puder arcar com os seus custos. 3. No caso em tela, não se trata de prestação jurisdicional invasiva da seara administrativa, eis que a ordem deferida em primeiro grau apenas determina o cumprimento de obrigação imposta pela própria Constituição da República. 4. A Constituição Estadual de 1989 fixa como competência do Estado “cuidar da saúde e assistência públicas, bem como da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência” – (Art. 5º, parágrafo único, II, CE). 5. O STF encampa a redação constitucional STF: “O Estado deve criar meios para prover serviços médico-hospitalares e fornecimento de medicamentos, além da implementação de políticas públicas preventivas, mercê de os entes federativos garantirem recursos em seus orçamentos para implementação delas.” (RE 607.381-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 31-5-2011, Primeira Turma, DJE de 17-6-2011.) 6. Inexiste óbice jurídico à imposição de fornecimento de Home Care ao agravado, havendo demonstração específica de sua necessidade pelos documentos trazidos nos autos, muito menos sobre a extensão do direito reivindicado que encontra específica previsão constitucional no art. 198, II, da Constituição Federal, que sustenta o dever do Estado de atendimento integral. 7. Como é sabido ainda, não há que se falar em violação aos princípios da isonomia, da legalidade e da separação dos poderes, visto que o que se pretende com a presente decisão é o cumprimento pelo Estado do seu dever de proteger e recuperar a saúde da população. 8. A Constituição Federal de 1988 diz que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência (Art. 23 II). 9. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF/1988, art. 196). 10. É certo que os recursos do Estado não são inesgotáveis, bem como há outros cidadãos necessitando de Home Care com urgência, mas o Judiciário deve sim, compelir à Administração a cumprir com o seu dever, determinando-lhe que atue naquele caso concreto como deveria atuar em todos os demais, visto que nenhuma valia tem uma Administração Pública que sequer assegura as mínimas condições de dignidade aos seus cidadãos. 11. Não há inserção do Judiciário na esfera de discricionariedade administrativa, já que, conforme visto acima, nos casos de fornecimento de medicamento ou tratamento essencial para garantia da saúde, “O Poder Judiciário não adentra no mérito administrativo da questão posta, já que sua conduta é direcionada à observância da legalidade, porquanto a saúde é um direito garantido pela Carta Magna a todos, conforme proclama o seu art. 196”. (vide Agravo nº 0023445-53.2010.8.17.0000, TJPE, julgado em 13/01/2011, publicação 12/2011). 12. É jurisprudência pacífica e consolidada neste Tribunal de Justiça que é dever do Estado fornecer tratamento médico e hospitalar imprescindível ao cidadão. Tanto que, acerca do tema, este Tribunal aprovou enunciado sumular de nº 51. 13. O Ministério da Saúde, através da Portaria n. 963/2013, regulamenta o sistema de atenção domiciliar a ser promovido pelo Sistema Único de Saúde. Consoante o instrumento normativo, o ente público prestará o mencionado serviço ambulatorial mediante a avaliação das necessidades específicas de cada paciente, de acordo com os critérios estabelecidos pelo ato administrativo. 14. Necessitando o paciente de Home Care e não dispondo de recursos financeiros, não há escusas legais que amparem a resistência do Poder Público em assistir a agravado. 15. O perigo de dano milita em favor do agravado, consubstanciado na possibilidade de agravamento de sua saúde caso não seja submetido ao tratamento médico adequado. 16. Considero que a multa diária no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), limitada a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), foi razoavelmente fixada, principalmente, quando se observa a jurisprudência consolidada desta E. Corte de Justiça. 17. Já com relação ao prazo de 10 (dez) dias fixado para cumprimento da obrigação, considero-o exíguo, conforme decisão interlocutória de ID nº 23811164, ao passo que, amplio para 30 (trinta) dias. 18. Dado parcial provimento ao Agravo de instrumento, apenas para ampliar para 30 (trinta) dias o prazo para cumprimento da obrigação, mantendo-se os demais termos da decisão.