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Reflexões sobre alguns direitos dos sócios e a questão da distribuição dos lucros nas sociedades empresárias Ltda.

Os sócios possuem singular importância na vida societária, uma vez que, através deles (a fortiori, dos administradores), a sociedade, em que pese a existência ideal, pratica atos jurídicos válida e eficazmente: contrata empregados e fornecedores, distrata com eles; adimple com as obrigações previdenciárias; aprova contas dos administradores e até mesmo as complexas operações societárias. Enfim, a vontade da sociedade apresenta-se no mundo fenomênico mediante a manifestação dos sócios e é executada por meio dos administradores.

Inexiste limitação à mínima participação societária, isso é, não há requisito para que alguém figure no quadro social com determinada fração mínima no capital social. Existem, com efeito, questões práticas decorrentes de frações societárias (não das quotas!) que, por isso, torna impraticável a circulação das quotas, mas não há exigência de participação mínima. A participação é determinada pela relação entre o valor da(s) quota(s) em face do capital social. Já a quota, como se sabe, é indivisível e, ainda que seja possível condomínio sobre ela, não é a sua unidade divisível. As quotas podem ter valores iguais ou desiguais conforme os interesses dos sócios no momento da constituição da sociedade.

O mínimo, em resumo, que alguém pode ter para participar de alguma sociedade na qualidade de sócio é uma única quota. A quota é essa parcela da sociedade que confere direitos políticos e patrimoniais a quem dela seja proprietário ou, conforme a hipótese, tenha sobre ela direitos. A quota é, como qualquer bem, objeto de direitos pessoais ou reais: pode-se penhorar, dar em garantia ou em usufruto, bem como doar ou ceder onerosamente.

Existe a possibilidade, outrossim, e atualmente corroborada DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração -, de a sociedade empresária emitir quotas preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito. Tal circunstância, todavia, não retira a qualidade de sócio. Restringe, é certo, os poderes políticos. São os famigerados sócios preferencialistas que ganharam força nas sociedades empresárias limitadas nos últimos anos. De maneira particular, vejo como importante avanço a emissão das quotas preferenciais em sociedades empresárias limitadas, uma vez que amplia a possibilidade de acomodação de interesses os mais diversos entre investidores, minoritários, fundadores e demais stakeholders.

Não há, também, restrição a que pessoas jurídicas sejam sócias de outras pessoas jurídicas. Repercussões há, sem dúvidas, em outras searas jurídicas, a exemplo da tributária, notadamente aos optantes do Simples Nacional. Contudo, do ponto de vista societário, inexiste qualquer proibição de pessoas jurídicas terem como sócias outras pessoas jurídicas em sociedades empresárias do tipo limitada. Inclusive, as holdings puras com frequência adotam essa arquitetura jurídica. Não é possível serem administradoras, mas essa análise fica para outro momento.

Pois bem. Essas questões periféricas me pareceram naturalmente pertinentes à inauguração do assunto, uma vez que, salvo honrosas exceções, “os direitos” dos sócios não têm sido objeto de destacado estudo na doutrina nacional, talvez em consequência de o tratamento da matéria ser espaçado pela legislação civil e especial, o que dificulta o estudo sistematizado.

Sem embargo do exposto, com espeque no sempre atual professor Alfredo de Assis Gonçalves Neto, trago à baila algumas reflexões para compor a coluna, notadamente para tratar de alguns “direitos” dos sócios: i) manter a participação societária; ii) permanecer na sociedade; iii) ao tipo societário; iv) aos dividendos.

Ao leitor mais crítico remeto às leituras do citado professor, por terem sido a principal inspiração do presente texto.

O direito de manter a participação societária carece de maior compreensão sobre os “poderes” societários, já que através da composição societária é possível delinear com razoável segurança e previsibilidade o exercício de poderes dentro da estrutura societária. Fenômeno de invulgar importância são os poderes societários decorrentes da participação societária. Ao sócio controlador confere-se poderes os mais diversos, destacando-se os de aprovação das deliberações sociais e mesmo nomeação de administradores, o que assegura posição de relevo na estrutura societária interna. Ao controlador possibilita-se o comando e a condução dos negócios.

Todavia, para o que nos interessa, é possível afirmar que o sócio, especialmente o minoritário, tem direito de não ser diluído injustificadamente pelos demais sócios, sob pena de abuso de poder. A lei das SA, no artigo 170, §1º, regula bem a matéria de aumento de capital que, sempre que possível, deverá ser aplicada às sociedades empresárias limitadas, máxime quando previsto no contrato social a supletividade. A diluição afigura-se ilícita quando não justificada. É na arbitrariedade que mora o ilícito, ou, quando não respeitados os parâmetros previstos na LSA. A matéria merece apenas ser sublinhada para que os interessados possam se dedicar ao estudo verticalizado, em que pese, agora, fugir aos limites da coluna.

O direito à permanência na sociedade veda a exclusão sem justa causa, o que foi objeto de introdutória análise em texto anterior de minha coluna (leia aqui). Por outras palavras, o sócio tem o direito de não ser excluído, seja judicial ou extrajudicialmente, da sociedade, devendo nela permanecer até os ulteriores termos, se por prazo determinado ou quando, eventualmente, exista alguma outra causa de resolução do contrato social, quando por prazo indeterminado.

O direito ao tipo societário também revela a proteção ao sócio pelo formato escolhido ao empreendimento (se cooperativa, limitada ou anônima, por exemplo), de modo que a eventual alteração ao tipo societário poderá ensejar o direito de recesso (direito de retirada motivado) por quem dissentiu da deliberação. À comprovação e ao exercício do direito de recesso é importante consignar a divergência em ata da reunião de sócios ou assembleia.

O direito aos lucros, por sua vez, é questão sensível quando analisado em conjunto com problemas que, com frequência, se apresentam na prática. Com efeito, não há séria controvérsia doutrinária a respeito à percepção dos lucros dos sócios nas sociedades empresárias limitadas, uma vez que essa é mesmo a razão de ser dela. A sociedade empresária possui atividades-meio cujos fim é a obtenção e a partilha do lucro. Entretanto, na prática, apresentam-se manobras as mais diversas com intuito de obstar ou dificultar a divisão do lucro auferido pela sociedade, o que sobreleva a necessidade de a matéria vir a ser bem regrada no contrato social ou acordos parassociais.

Percebam o seguinte: o lucro contábil é a matemática decorrente das análises das demonstrações contábeis – especialmente o balanço patrimonial – que indica a superioridade financeira em relação ao capital social. Assim, em existindo lucro em determinado exercício financeiro passa-se à necessidade de os sócios deliberarem sobre a distribuição deles. Aqui merece alguns comentários.

Afigura-se possível ao controlador deliberar a não distribuição dos lucros, ou aprovar apenas a distribuição parcial, com fundamento, por exemplo, em necessidade de “reinvestimentos estratégicos” e, com isso, impedir a distribuição dos lucros. O efeito prático é estrangular financeiramente os sócios minoritários que, embora estejam na expectativa, não recebem os lucros já existentes nas contas sociais. Vejam que uma coisa é a existência do lucro; outra, diferente, é a aprovação de sua distribuição. Não raro o lucro poderá permanecer com a sociedade a depender da deliberação dos sócios controladores. É comum vislumbrar a deliberação do controlador para que os lucros sejam destinados à conta contábil de reserva de lucros.

Pode, aliás, existir deliberação para não distribuir lucro algum, o que, a depender das circunstâncias, configurar-se-á abuso de poder de controle. Por isso, em que pese haver direito aos (recebimentos de) lucros, essa matéria precisar ser bem conhecida e discutida, sob pena de prejudicar os minoritários que, a despeito de serem sócios, não conseguem ter acesso à remuneração do capital investido anteriormente na sociedade.

Os caminhos que se apresentam à válida deliberação de não aprovação de lucros apontam para que o controlador fundamente pormenorizadamente os motivos – para manter o exemplo anterior – dos “reinvestimentos” com a apresentação de orçamentos, prazos, fornecedores, necessidade do projeto, repercussão financeira, período de execução dos serviços, entre outras informações necessárias a que os minoritários possam eventualmente impugnar.

Um abraço a todos.

Colunista

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Otávio de Oliveira
LL.M em Direito Societário pelo Insper/SP. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Sócio Fundador do Escritório Buonora & Oliveira Advocacia. Julgador no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/PE. Presidente da Comissão de Direito Empresarial de Olinda. Administrador de Fundo de Investimento Internacional. . Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, da Associação Brasileira de Direito Processual Civil - ABDPro e da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo - ANNEP. . Advogado.

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