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Transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular: hipótese de “não-incidência” pura do ICMS…

Transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular: hipótese de “não-incidência” pura do ICMS e direito ao crédito relativo às operações anteriores

É sabido que a movimentação de mercadorias é hipótese de incidência do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).

Contudo, quando o deslocamento da mercadoria se der entre estabelecimentos de um mesmo titular não há falar em fato gerador do referido tributo, conforme entendimento há muito pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (Enunciado 166).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal encontra-se no mesmo sentido conforme o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 49 e a tese firmada no Tema de Repercussão Geral 1.099.

Assim, a transferência de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte é hipótese de não-incidência do ICMS porquanto ausente a alteração de titularidade e, consequentemente, de fato gerador.

Observe que a não-incidência, nesse caso, decorre do fato de a movimentação da mercadoria não se subsumir à hipótese legal de incidência do tributo, logo, é chamada de não-incidência pura.

Esse conceito – não-incidência pura – é importante para a aplicação do artigo 155, § 2º, II, b, da Constituição da República, o qual estabelece que a isenção e a não-incidência acarretam a anulação do crédito relativo às operações anteriores.

Registre-se que a não-incidência prevista no referido dispositivo constitucional é a chamada expressa ou juridicamente qualificada, ou seja, quando a lei descreve a hipótese de não incidência tributária.

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no reexame necessário e julgamento da apelação 1.0000.18.085747-6/002, confirmou a sentença que anulou o auto de infração e julgou prejudicado o recurso.

Referido auto de infração cobrava o estorno dos créditos relativos às operações que antecederam o deslocamento de mercadoria entre estabelecimentos da contribuinte, após ser reconhecido em ação mandamental a hipótese de não-incidência tributária daquela movimentação.

Entendeu o Tribunal Mineiro que:

a) a não-incidência pura não se confunde com a não-incidência expressa ou juridicamente qualificada;

b) a transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma titularidade é hipótese de não-incidência pura do ICMS;

c) a não-incidência prevista no artigo, 155, § 2º, II, b, da Constituição da República é a não-incidência expressa ou juridicamente qualificada;

d) o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte não anula os créditos das operações anteriores.

Eis a ementa do referido julgado:

 

EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA – TRANSFERÊNCIA DE BENS ENTRE ESTABELECIMENTOS DO MESMO TITULAR – MERO DESLOCAMENTO FÍSICO – NÃO-INCIDÊNCIA PURA DO ICMS – CRÉDITOS DAS OPERAÇÕES ANTERIORES – ANULAÇÃO E ESTORNO (ART. 155, § 2º, II, B, CR) – IMPOSSIBILIDADE. 1. O artigo 155, § 2º, II, b, da Constituição da República prevê o estorno dos créditos de ICMS anteriores à operação de saída que não foi tributada em razão de isenção ou não-incidência. 2. Somente o incentivo fiscal decorrente da não-incidência expressa (ou qualificada) ocasiona a anulação e o estorno do crédito relativo às operações anteriores. 3. O mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte não enseja o pagamento de ICMS, tratando-se de hipótese de não-incidência pura, a qual não se subsome à previsão constitucional do artigo 155, § 2º, II, b.  (TJMG – Ap Cível/Rem Necessária 1.0000.18.085747-6/002, Relator(a): Des.(a) Maria Cristina Cunha Carvalhais, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/03/2023, publicação da súmula em 30/03/2023)

 

No caso apreciado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a contribuinte teve reconhecido em mandado de segurança o direito de não recolher ICMS no deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos de sua titularidade, sob o fundamento de não-incidência.

Diante disso o Fisco Mineiro aplicou-lhe o multicitado artigo 155, § 2º, II, b, da Constituição República e exigiu o estorno dos créditos atinentes às operações que antecederam a hipótese de não-incidência reconhecida em ação mandamental.

Contudo, olvidou-se o ente estatal que o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular é hipótese de não-incidência pura do ICMS, não havendo subsunção à referida norma constitucional, que trata da não-incidência expressa.

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Glaucia Chiaradia
Mestre em Direito Empresarial. Assistente Judiciário (2009-2014) e Assessora Judiciária (2014 em diante) no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

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