Yoga
Emmanuel Carrère (trad. John Lambert)
Farrar, Strauss and Giroux, 335 páginas
Emmanuel Carrère já apareceu aqui antes com o livro que o levou à lista dos mais vendidos do New York Times (aqui: https://juridicamente.info/o-adversario-emanuel-carrere-trad-marcos-de-castro/). Yoga é o livro mais recente do francês que esse colunista cansou de esperar a tradução pela editora do autor aqui no Brasil e leu na versão publicada nos Estados Unidos. Ioga (com ‘i’) foi lançado no Brasil em 06/02 com tradução de Mariana Delfini.
Na origem, Carrère pensou em escrever um livrinho sobre ioga, sobre a sua experiência de décadas de praticante diário. A ideia não seria fazer uma espécie de guia, mas um relato pessoal e sincero sobre a vivência dele, as dificuldades, as conquistas, os benefícios que resultaram dessa disciplina, etc. No meio do caminho, contudo, a vida aconteceu. E Carrère foi engolido por ela.
A narrativa tem início com Carrère abandonando o celular e embarcando para um retiro de dez dias no qual, em absoluto silêncio, se propusera a meditar de maneira profunda e exaustiva. No quarto dia, entretanto, uma batida na janela rompe o silêncio e ele se vê forçado a voltar a Paris – onde o mundo parecia haver se desintegrado. O desastre, juntamente com o fim de um intenso relacionamento extraconjugal, faz com que o autor entre numa espiral de depressão sem precedentes.
No fundo do poço, Carrère precisa dar um jeito de se encontrar e fazer as pazes consigo mesmo. Acompanhar esse processo, a partir da prosa visceral do francês, é dolorido e redentor (a um só tempo). O saldo termina sendo o de que, na tentativa de escrever um livrinho sobre ioga, Carrère entrega uma investigação honesta e belíssima sobre a natureza humana – a partir de um ponto de vista privilegiado e egocêntrico, sim, mas se não fosse assim não seria Carrère.
“Qual história eu poderia contar? Uma experiência de partida e perda, um momento em que minha vida é virada de cabeça para baixo, é exatamente o que eu estou vivendo agora. Mas como eu posso contar aos nossos alunos o que eu tenho feito a mim mesmo? Tenho repetido que é preciso respeitar seu próprio sofrimento e não desdenhar dele; e que infelicidade neurótica não é menos cruel que infelicidade ordinária, mas ainda assim: comparado aos desafios que esses meninos de dezesseis, dezessete anos tiveram e ainda têm de passar, alguém que tem tudo para ser feliz e consegue estragar essa felicidade, e a da própria família, é uma obscenidade que eu não posso pedir que eles entendam, e que comprova que meus pais estão certos quando dizem que durante a guerra as pessoas não têm tempo de ser neuróticas” (p. 269/270, tradução livre)