Razão de decidirTJGO

A legalidade da busca pessoal com base em “atitude suspeita”.

O tirocínio policial, por décadas, foi admitido com base na simples palavra do agente público encarregado da prisão em flagrante.

 

Em outras palavras, até pouco tempo atrás, não se questionava os argumentos apresentados pelos policiais civis, em caso de investigação, ou militares, no controle repressivo diário, quanto a conduta dos indiciados presos por “atitude suspeita”, notadamente quando com eles era encontrado alguma quantidade de droga, ensejando as “fundadas razões” do Tema 280 do STF (RE 603.616/RO), necessária ao posterior ingresso na residência do detido, onde, geralmente, se localizava a maior parte do entorpecente por ele comercializado.

 

E essa “atitude suspeita” decorria de nervosismo do indiciado ao ver a autoridade policial, fuga repentina, descarte de objeto (sacolas, embrulhos etc), cheiro forte de maconha ou outra conduta fora da rotina de pessoas comuns, bastando apenas uma dessas hipóteses para se proceder a abordagem pessoal.

 

Contudo, o entendimento jurisprudencial passou a analisar estas práticas de abordagem pessoal pelas polícias, “de rotina ou praxe”, para se evitar que pessoas comuns e inocentes, escolhidas segundo a vontade e critérios da autoridade, fossem submetidas a revistas vexatórias, sem terem cometido nenhum ato “anormal”.

 

Neste sentido, o STJ passou a exigir “outros elementos” aliados à “atitude suspeita” para justificar a abordagem pessoal do suspeito, por exemplo: alta velocidade na condução de veículo no trânsito, pular muros de residências alheias, denúncia anônima de que naquela via pública existe um ponto de tráfico, indicando endereço e caracteres pessoais do suposto traficante, dentre outros, vejamos o julgado do STJ a título de esclarecimento:

 

(…) 2. A abordagem policial realizada no paciente não foi arbitrária e motivada por “rotina” ou “praxe” do policiamento ostensivo, com finalidade preventiva e motivação exploratória, mas teve por objetivo a produção de provas decorrentes de várias denúncias anônimas prévias que apontavam o paciente como traficante de drogas. Desse modo, ao ser avistado pelos policiais nas proximidades da residência sobre a qual havia denúncias anteriores sobre a realização de mercancia ilícita, ele foi abordado e foram apreendidos em seu poder duas porções de maconha, além da quantia de R$ 156,00 em notas diversas, além de 21 porções de maconha, com peso líquido de 48,5 gramas, 46 porções de cocaína, com peso líquido de 25,8 gramas, e 03 porções de cocaína, na forma popularmente conhecida como crack, com peso líquido de 170,6 gramas, além de elevada quantia em dinheiro. Na residência foram apreendidos mais 50 porções de maconha, idênticas àquelas que ele trazia consigo, bem como outras 06 porções maiores embaladas em plástico filme e 01 porção à granel que estava dentro de um pote de vidro, droga que seria comercializada por ele. Em seguida, sobre a mesa, os milicianos encontraram a quantia de R$ 522,00, proveniente da mercancia ilícita, além de 02 facas, 02 balanças de precisão, 03 pacotes com embalagens de “zip lock” novas, 94 eppendorfs vazios e anotações de contabilidade do tráfico (e-STJ fl. 41). 3. Desse modo, havendo fundadas suspeitas sobre a prática do crime de tráfico de drogas pelo paciente, não há que se falar em nulidade das provas oriundas da busca pessoal realizada pela polícia e, tampouco, na desclassificação da conduta para a de posse de drogas para uso próprio, dada sua incompatibilidade com o montante de entorpecentes e de petrechos de mercancia apreendidos… (STJ, AgRg no HC n. 792.411/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/4/2023, DJe de 3/5/2023).

 

Assim, evidenciada a existência de qualquer outro elemento “anormal”, aliado à suspeita (tirocínio) do policial de que o indivíduo a ser abordado é o procurado, tendo em vista a sua “atitude suspeita”, a abordagem pessoal se mostra regular. E, se desta revista resultar a localização de alguma substância entorpecente com o suspeito, passa a existir também as “fundadas razões” para ingresso em sua residência.

 

Dados do processo interpretado já formatados para citação:

 

(TJGO, PROCESSO CRIMINAL -> Medidas Garantidoras -> Habeas Corpus Criminal 5747509-03.2022.8.09.0000, Rel. Des(a). DESEMBARGADORA CARMECY ROSA MARIA ALVES DE OLIVEIRA, 2ª Câmara Criminal, julgado em 09/01/2023, DJe  de 09/01/2023).

 

Ementa do processo interpretado:

 

EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO. 1. BUSCA VEICULAR. ILEGALIDADE DO FLAGRANTE. NÃO CONSTATADO. Havendo fundadas razões para a diligência, como no caso, em que, mediante cientificação por outras equipes policiais, da ocorrência de tráfico de drogas em um veículo Gol, utilizando-se de uma criança no veículo para disfarçar a conduta ilícita, o paciente foi abordado em via pública, com as mesmas características, em atitude suspeita (nervosismo, tentando se livrar de algo), não há que se falar em ilegalidade da busca veicular e do flagrante (…) ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA.

 

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Geraldo Fonseca Neto
Pós-graduação em Direito Penal pela UFG. Graduação em Direito pela PUC-GO. Advogado por 8 anos. Assessor de Desembargador no TJGO (10 anos na área cível e 3 na criminal). Professor universitário por 11 anos na área Penal e Processual Penal. Ainda se dedica ao Ensino Jurídico, auxiliando advogados em início de carreira e ministrando cursos sobre recursos cíveis.

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