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Áreas de Proteção Ambiental (APA’s): Regime Jurídico e Objetivos

As Áreas de Proteção Ambiental, também conhecidas amplamente como APA’s, são espaços territoriais a serem especialmente protegidos. A disciplina constitucional que lhes embasa está prevista no artigo 225, §1º e inciso III. Neste sentido, destaca o Texto Constitucional de 1988, que para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incumbe ao Poder Público definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.

A Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, conhecida como a lei do SNUC, ou mais ainda, como a lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação classificou as Áreas de Proteção Ambiental como Unidade de Conservação de Uso Sustentável (art. 14, inciso I).

Esta mesma lei, acima destacada, define em seu artigo 15 que Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

Como se percebe, pela leitura direta do dispositivo legal, as Áreas de Proteção Ambiental são espaços geralmente extensos, constituídos por terras públicas ou privadas (§1º do art. 15), podendo estar situados em um território com certo grau de ocupação humana. À luz dessa perspectiva, não há a necessidade de desapropriação de propriedades particulares inseridas em seus limites, a menos que a necessidade de desapropriação ocorra por outro motivo. Por ser uma área dotada de certo grau de ocupação humana, conflitos ambientais estão na iminência de ocorrer, caso não haja certo grau de controle e fiscalização ambiental e urbanístico. Ademais, assim como ocorre com outras unidades de conservação, as Áreas de Proteção Ambiental precisam ser regidas por um plano de manejo que seja apto a proteger o ambiente, levando em consideração suas peculiaridades ambientais locais ou regionais.

Sabe-se que a disciplina do uso do solo urbano tem como principal base o plano diretor municipal. Ocorre que nem todos os municípios são obrigados a ter um plano diretor. As hipóteses de exigência de planos diretores municipais estão previstas nos artigos 182, §1º da Constituição de 1988 e no artigo 41, incisos I a VI da Lei nº 10.257/2001, conhecida como estatuto da cidade.

De toda forma, mesmo que não esteja obrigado a dispor de Plano Diretor, os municípios não deixam de ser os principais executores da política de desenvolvimento urbano, assim como previsto no art. 182, caput da Constituição de 1988 e nesse sentido, tais entes federativos são os principais destinatários da obrigação de ordenar adequadamente os espaços urbanos e territoriais, de modo a permitir a fruição de direitos relacionados ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade.

Tal disciplina para o uso do solo municipal, em especial para o uso do solo na malha urbana atende ao dever de conferir função social à propriedade urbana, o que só ocorre quando há observância às disposições de ordenação expressas no plano diretor (§2º do art. 182 da CF/1988), ou, na ausência deste, de outras normas de cunho urbanístico, como as posturas municipais.

Ainda segundo esse alinhamento, de restrição ao direito de propriedade para que esta cumpra sua função social ou ambiental, vale destacar o teor do §2º do artigo 15 da Lei nº 9985/2000, quando afirma que respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma Área de Proteção Ambiental. Neste sentido, disposições presentes em planos de manejo de APS’s se somam a prescrições urbanísticas presentes em planos diretores, códigos de posturas, códigos de obras, códigos de edificações, códigos de meio ambiente, entre outros.

Assim como ocorre com outras unidades de conservação, as Áreas de Proteção Ambiental são geridas pelos órgãos gestores do ente federativo que as criou. No caso de APA’s federais, o órgão gestor deve ser o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Caso a APA seja criada por Estados-membros ou Municípios, o órgão gestor deve ser o órgão gestor integrante do SISNAMA (órgão seccional ou órgão local).

A Lei nº 9.985/2000 prevê no §3º do seu art. 15 que pesquisas científicas podem ser desenvolvidas no interior dessas unidades de conservação. No entanto, as condições para a realização das mesmas, incluindo a visitação pública nas áreas sob domínio público serão estabelecidas pelo órgão gestor da unidade. No entanto, caso as áreas estejam sob propriedade privada, cabe ao proprietário estabelecer as condições para pesquisa e visitação pelo público, observadas as exigências e restrições legais (§4º do art. 15 da Lei nº 9.985/2000).

No que tange aos aspectos de gestão, nos termos do §5º deste mesmo artigo, as Áreas de Proteção Ambiental devem dispor de um Conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente, conforme se dispuser no regulamento desta lei (vide Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002).

Apesar da disciplina suso apontada, a primeira regulação que recaiu sobre as Áreas de Proteção Ambiental ocorreu com a Lei Federal nº 6.902/1981, sendo esta uma das pioneiras leis do país em matéria ambiental, mais antiga até do que a Lei nº 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente. O artigo 8º desta lei, ao seu tempo, foi pioneiro ao estabelecer que o Poder Executivo, nos casos de relevante interesse público, poderá declarar determinadas áreas do Território Nacional como de interesse para a proteção ambiental, a fim de assegurar o bem-estar das populações humanas e conservar ou melhorar as condições ecológicas locais. O mesmo teor, futuramente com status constitucional iria ser inserido no art. 225, §1º e inciso III da Constituição de 1988, apresentando, contudo, maior ênfase, já que o Texto Constitucional utiliza o verbo incumbir – incumbe ao Poder Público “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.

No quesito ‘estabelecimento de limitações administrativas ao direito de propriedade’, o artigo 9º da Lei nº 6.902/1981 dispõe que nas Área de Proteção Ambiental, dentro dos princípios constitucionais que regem o exercício do direito de propriedade, o Poder Executivo estabelecerá normas, limitando ou proibindo: a) a implantação e o funcionamento de indústrias potencialmente poluidoras, capazes de afetar mananciais de água; b) a realização de obras de terraplenagem e a abertura de canais, quando essas iniciativas importarem em sensível alteração das condições ecológicas locais; c) o exercício de atividades capazes de provocar uma acelerada erosão das terras e/ou um acentuado assoreamento das coleções hídricas; d) o exercício de atividades que ameacem extinguir na área protegida as espécies raras da biota regional.

Convém ainda destacar o teor do §1º do artigo 9º desta mesma lei quando afirma que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, ou órgão equivalente no âmbito estadual, em conjunto ou isoladamente, ou mediante convênio com outras entidades, fiscalizará e supervisionará as Áreas de Proteção Ambiental. Ao tempo em que a lei em tela foi editada ainda não havia sido criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que é o principal responsável pela gestão das unidades de conservação federais. Desta forma, entendemos que a redação do referido §1º deste art. 9º deveria admitir o acréscimo do ICMBio, sem afastar, contudo, o IBAMA, uma vez que a este órgão federal ainda compete, de forma ampla, realizar a fiscalização do cumprimento da legislação ambiental. Neste sentido, vale destacar que fiscalização, à cargo do IBAMA difere da gestão da unidade de conservação, à cargo do ICMBio.

Violações ao disposto no caput deste artigo 9º da Lei nº 6.902/1981, acima pontuados, sujeitarão os infratores ao embargo das iniciativas irregulares, à medida cautelar de apreensão do material e das máquinas usadas nessas atividades, à obrigação de reposição e reconstituição, tanto quanto possível, da situação anterior e a imposição de multas graduadas de Cr$200,00 (duzentos cruzeiros) a Cr$2.000,00 (dois mil cruzeiros), aplicáveis, diariamente, em caso de infração continuada, e reajustáveis de acordo com os índices das ORTNs – Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (§2º do art. 9º da lei em tela). Por obvio que estes valores precisam ser atualizados para os padrões atuais, em razão da consolidação de novo plano econômico (Real). O §3º deste mesmo art. 9º destaca ainda que essas penalidades devem ser aplicadas por iniciativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis ou dos órgãos, estadual e municipal correspondentes e constituirão, respectivamente, receita da União, do Estado ou do Município, quando se tratar de multas.

Por fim, importante ressaltar que se aplicam às multas previstas nesta Lei nº 6.902/1981 as normas da legislação tributária e do processo administrativo fiscal que disciplinam a imposição e a cobrança das penalidades fiscais (§3º do art. 9º da Lei nº 6.902/1981).

Mais uma vez, é importante salientar que uma das principais normas para a sustentabilidade de uma Área de Proteção Ambiental é o seu plano de manejo. De forma objetiva, o §1º do artigo 27 da Lei nº 9.985/2000 dispõe que o plano deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e seus corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas. Esta norma dispõe ainda que na elaboração, atualização e implementação do Plano de Manejo das Áreas de Proteção Ambiental deve ser assegurada a ampla participação da população residente (§2º do art. 27).

Registre-se  também a hipótese onde o Plano de Manejo pode dispor sobre as atividades de liberação planejada e cultivo de organismos geneticamente modificados em Áreas de Proteção Ambiental, observadas as informações contidas na decisão técnica da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio sobre: I – o registro de ocorrência de ancestrais diretos e parentes silvestres; II – as características de reprodução, dispersão e sobrevivência do organismo geneticamente modificado; III – o isolamento reprodutivo do organismo geneticamente modificado em relação aos seus ancestrais diretos e parentes silvestres; e  IV – situações de risco do organismo geneticamente modificado à biodiversidade.

Ainda em relação ao plantio de organismos geneticamente modificados no interior de uma APA, o artigo 57-A da Lei nº 9.985/2000 explicita que o Poder Executivo estabelecerá os limites para a realização desta prática nas áreas que circundam as unidades de conservação até que seja fixada sua zona de amortecimento e aprovado o seu respectivo Plano de Manejo e que tal exigência não se aplica às Áreas de Proteção Ambiental.

Vale asseverar, por fim, que o artigo 31 da Lei do SNUC veda a introdução nas unidades de conservação de espécies não autóctones, excetuando dessa exigência as Áreas de Proteção Ambiental, bem como os animais e plantas necessários à administração e às atividades das demais categorias de unidades de conservação, de acordo com o que se dispuser em regulamento e no Plano de Manejo da unidade.

Eis, em apertada síntese, a disciplina normativa que deve reger as Áreas de Proteção Ambiental no Brasil, sendo estas as unidades de conservação com maior ocorrência em áreas urbanas, uma vez que seu regime jurídico aponta as melhores condições para a gestão pública ambiental em áreas com certo grau de ocupação humana. Sendo assim, podemos concluir que as Áreas de Proteção Ambiental se somam ao amplo leque de institutos que objetivam dar concretude ao artigo 225, §1º, inciso III da Constituição da República de 1988 e que, por isso, mais do que apenas incentivadas, devem ser instituídas em áreas urbanas com fragilidades ecológicas pronunciadas.

 

Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 11 de maio de 2022.

BRASIL. Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938compilada.htm>. Acesso em 11 de maio de 2022.

BRASIL. Lei Federal nº 6.902, de 27 de abril de 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6902.htm>. Acesso em 11 de maio de 2022.

BRASIL. Lei Federal nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm>. Acesso em 11 de maio de 2022.

BRASIL. Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em 11 de maio de 2022.

BRASIL. Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4340.htm>. Acesso em 11 de maio de 2022.

 

 

 

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Carlos Gurgel
Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), com título revalidado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especialista em Direitos Fundamentais e Tutela Coletiva pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte. . Professor Adjunto (III-8) da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Campus de Natal. Advogado e Geógrafo. . Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Seccional da OAB/RN (desde 2019), Conselheiro titular nos seguintes conselhos: Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONEMA) e Conselho da Cidade de Natal (Concidade); Primeiro Secretário do Instituto de Direito Administrativo Seabra Fagundes (IDASF); associado do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade – IbradeS; associado da ABDEM - Associação Brasileira de Direito de Energia e do Meio Ambiente, da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e da Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (APRODAB); membro do Conselho Gestor da APA Bonfim-Guaraíras-RN; membro do Conselho Gestor do Parque Estadual das Dunas (Natal/RN). . Possui diversos livros, capítulos de livros e artigos, publicados em periódicos e livros nacionais e internacionais.

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