Razão de decidirTJPR

Duty to mitigate the loss e pas de nullité sans grief: Qual estratégia deve ser adotada diante de um vício processual?

Qual estratégia deve ser adotada diante de uma nulidade processual?

Em decisão recém-publicada, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná decidiu, nos autos de agravo de instrumento de nº 0026813-43.2023.8.16.0000, que a aquiescência, ainda que tácita, de uma nulidade, acarreta a preclusão de sua suscitação.

Naquele caso, suscitou a parte recorrente que não houve a devida intimação sobre a ocorrência de um ato decisório, de forma que restou configurado o cerceamento do direito de defesa dos interesses da parte em ver referido ato impugnado por instrumentos recursais.

Em que pese, de fato, a ausência da intimação da parte gerar uma nulidade por violação ao princípio da ampla defesa, destacou o Tribunal Paranaense que a intimação subsequente e indene de validade deu ensejo à fluência do prazo preclusivo para a impugnação do ato pretérito, nos termos do que prevê o artigo do artigo 278 do CPC: “a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.”

Nesse interim, vale destacar (a despeito de não constar em referidas razões de decidir) que os preceitos da chamada teoria dos atos próprios, tema que versa sobre as figuras parcelares do princípio da boa-fé objetiva, aplicável a todas as disciplinas jurídicas e que, dentre outros imperativos, impõe a todos o dever de mitigar o próprio prejuízo, ganha corpo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça com a expressão estrangeira “duty to mitigate the loss” a qual mostra-se válida, inclusive, no campo do direito processual penal, vide o HC n. 171.753/GO, de Relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 4/4/2013.

Ademais, destacou a Corte que sempre se objetivar a declaração de nulidade de um determinado ato processual, é indispensável a comprovação de efetivo prejuízo à parte, consoante a exegese dos artigos 277 e 283, parágrafo único, do Código de Processo Civil, ônus do qual entendeu o Órgão Julgador que o recorrente não se desincumbiu.

A propósito, consta da decisão colegiada:

No caso em tela, não se evidencia qualquer nulidade e não há qualquer demonstração de que a condução dos autos executivos tenha causado à parte prejuízo processual.

Tanto que, tal como descrito acima, o patrono do agravante manifestou-se aos movs. 231.1; 239.1; 247.1; 259.1; 270.1; e 276, em razão das intimações de movs; 227; 237; 245; 256; 262; e 274.

Ademais, prevalece na jurisprudência o brocardo pas de nullité sans grief que preza pela perpetuação e, quiçá, convalidação de atos anuláveis que não acarretem prejuízo às partes.

Nesse sentido:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – DETERMINAÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALOR LEVANTADO A MAIOR – IRRESIGNAÇÃO DA EXEQUENTE – ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO POR OFENSA AO ART. 10, DO CPC – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO – “NE PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF” – DECISÃO E TRÂMITE EM CONFORMIDADE COM O MOMENTO PROCESSUAL – DECISÃO MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJPR – 14ª C.Cível – 0014521-65.2019.8.16.0000 – Londrina –  Rel.: Desembargador José Hipólito Xavier da Silva –  J. 03.07.2019)

“EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – APELAÇÃO CÍVEL. NULIDADE DA INTIMAÇÃO – NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO (PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF) – ATO PROCESSUAL QUE ATINGIU A SUA FINALIDADE – AUSÊNCIA DE DANO À PARTE – VÍCIO INEXISTENTE. PRESCRIÇÃO – TRANSCURSO DE LAPSO SUPERIOR AO QUINQUÊNIO LEGAL – MOROSIDADE ATRIBUÍDA AO MECANISMO DA JUSTIÇA – SÚMULA 106 DO STJ – PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA. LANÇAMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – NOTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO – PROVIDÊNCIA CUMPRIDA COM O ENVIO DO CARNÊ DE IPTU AO ENDEREÇO DO CONTRIBUINTE – ÔNUS DA PROVA QUANTO AO NÃO RECEBIMENTO QUE RECAI SOBRE O SUJEITO PASSIVO – PRECEDENTES DO STJ – IRREGULARIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO EXECUTADO NÃO CONSTATADA. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR – 3ª C.Cível – AC – 1486819-6 – Paranaguá –  Rel.: Doutor Francisco Cardozo Oliveira – Unânime –  J. 13.09.2016)

“APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO FISCAL. DECRETAÇÃO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ARGUMENTAÇÃO QUANTO AO INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE QUE APENAS SE DARIA A PARTIR DA DECISÃO QUE DETERMINA O ARQUIVAMENTO DO FEITO, NOS TERMOS DO ART. 40, DA LEF, E DA SÚMULA 314 DO STJ. IMPROCEDÊNCIA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE QUE NÃO SE LIMITA A TAL HIPÓTESE, INICIANDO-SE SEMPRE QUE OCORRER A INTERRUPÇÃO DO ART. 174, I, DO CTN. PRECEDENTES. DESÍDIA DA FAZENDA PÚBLICA QUE IMPEDE O AFASTAMENTO DA PRESCRIÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE PELA AUSÊNCIA DE OITIVA DA FAZENDA PÚBLICA ANTES DA DECRETAÇÃO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. CUSTAS. ISENÇÃO DA TAXA JUDICIÁRIA. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJPR – 3ª C.Cível – AC – 1598695-9 – Santa Mariana –  Rel.: Doutora Denise Hammerschmidt – Unânime –  J. 06.12.2016)”

Ao final, aplicou-se à parte multa por litigância de má-fé.

Capitão Nascimento um dia tentou ensinar o conceito de estratégia, mas foi interrompido em seu discurso.

Independente se em grego strateegia, em latim strategi, em francês stratégie, em inglês strategy, em alemão strategie, em italiano strategia, ou em espanhol estrategia, no direito brasileiro impende a “tática” de suscitar a nulidade processual em sua primeira manifestação aos autos, pois – como visto – o direito não socorre aos que dormem.

 

Ementas e informações sobre os julgados citados no texto:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. ARGUIÇÃO DE NULIDADE PROCESSUAL RETROATIVA A DATA DE HABILITAÇÃO DO PATRONO AOS AUTOS. NULIDADE NÃO CONSTADA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 272, §§ 2º E 5º, DO CPC. NÃO CARACTERIZADO. ADVOGADO QUE É O ÚNICO HABILITADO AOS AUTOS E, PORTANTO, ÚNICO QUE RECEBE AS INTIMAÇÕES. REITERADAS MANIFESTAÇÕES DO ADVOGADO QUE TORNAM PRECLUSA A INSURGÊNCIA QUANTO À RETROATIVIDADE DO PEDIDO DE ANULAÇÃO DOS AUTOS POR AUSÊNCIA DE INTIMAÇÕES. ARTIGO 278 DO CPC. INTIMAÇÕES REGULARMENTE EXPEDIDAS E ATENDIDAS PELO PATRONO DOS AUTOS. QUESTÃO SERODIAMENTE SUSCITADA. PREJUÍZO PROCESSUAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. EXEGESE DOS ARTIGOS 8º, 277 E 283, DO CPC. DANO NÃO DEMONSTRADO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 80, INCISOS VI E VII DO CPC. RECURSO MANIFESTAMENTE INFUNDADO COM FINALIDADE PROTELATÓRIA. APLICAÇÃO, DE OFÍCIO, DE MULTA ARBITRADA EM 8% (OITO POR CENTO) SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA.RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ APLICADA DE OFÍCIO. (TJPR – 3ª Câmara Cível – 0026813-43.2023.8.16.0000 – Cambé –  Rel.: DESEMBARGADOR JOSÉ SEBASTIÃO FAGUNDES CUNHA –  J. 16.08.2023)

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. MOEDA FALSA E ESTELIONATO. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ORDINÁRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) TRÂNSITO EM JULGADO. VÍCIO NA CERTIFICAÇÃO. TEMA NÃO ENFRENTADO NA ORIGEM. COGNIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. (3) AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. OITIVA DE TESTEMUNHAS. ACOMPANHAMENTO POR DEFENSOR DATIVO. PROVIDÊNCIA REQUERIDA PELA DEFESA TÉCNICA CONSTITUÍDA. SUBSEQUENTE INSURGÊNCIA. VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA: PROIBIÇÃO DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. (4) RÉU PRESO EM COMARCA DISTINTA DAQUELA ONDE CORREU O PROCESSO. REQUISIÇÃO. AUSÊNCIA. NULIDADE RELATIVA. DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. AUSÊNCIA. (5) TESTEMUNHA COMUM. DISPENSA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA: DUTY TO MITIGATE THE LOSS. SIGNIFICATIVA LETARGIA NA ALEGAÇÃO. (6) DEFENSORA DATIVA. DEFESA INÓCUA. EXERCÍCIO DO ÔNUS DA PROVA. PATENTE ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. ORDEM NÃO CONHECIDA.

1 É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso ordinário (STF: HC 109956, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 07/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-178 DIVULG 10-09-2012 PUBLIC 11-09-2012).

2 Inexistente debate acerca de certo tema – equívoco na certificação do trânsito em julgado-, mostra-se inviável a esta Corte dele tratar, sob pena de indevida supressão de instância.

3 Não há falar em reconhecimento de nulidade, decorrente da realização de audiência acompanhada por defensor dativo, quando a própria defesa técnica constituída requereu a providência, dada a impossibilidade financeira de a paciente custear o transporte dos causídicos até a Comarca onde corria o processo. A relação processual é pautada pelo princípio da boa-fé objetiva, da qual deriva o subprincípio da vedação do venire contra factum proprium (proibição de comportamentos contraditórios). Assim, diante de uma tal conduta sinuosa, não é dado reconhecer-se a nulidade.

4 O princípio da boa-fé objetiva ecoa por todo o ordenamento jurídico, não se esgotando no campo do Direito Privado, no qual, originariamente, deita raízes. Dentre os seus subprincípios, destaca-se o duty to mitigate the loss. Na espécie, a serôdia insurgência, somente após a realização de diversos atos processuais, como o interrogatório, alegações finais e sentença, evidencia a consolidação da situação, sedimentando a tácita aceitação da ausência de oitiva da testemunha. Não deveria a parte insistir em marcha processual que crê írrita, sob pena de investir tempo e recursos de modo infrutífero.

5 Esta Corte consolidou o entendimento de que a ausência requisição do réu preso, inserido em cárcere localizado em foro distinto daquele em que tramita o processo, cristaliza nulidade relativa, a depender da existência de prejuízo para o seu reconhecimento. Na espécie, ausente a demonstração da situação de desvantagem, não há falar em anulação.

6 A verificação de deficiência de defesa, restrita à atuação do dativo, que apenas atuou na obtenção de um único depoimento é imprópria para a angusta via do habeas corpus. Diante das peculiaridades da colheita prova, a envolver um ônus e, não, um dever, tem-se o esvaziamento, substancial, da alegação de malferimento da ampla defesa.

7 Ordem não conhecida. (HC n. 171.753/GO, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 4/4/2013, DJe de 16/4/2013.)

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Thierry Kotinda
Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia e Graduado em Direito pelo Centro Universitário do Brasil – UniBrasil; Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná – EMAP; Membro Efetivo do Instituto Paranaense de Direito Processual – IPDP; Assessor de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná; Professor nos Cursos de Graduação do Gran Centro Universitário - Gran Faculdade, em Curitiba/PR.

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