É imprescindível a ocorrência do crime principal para a incidência do delito acessório?
Para melhor compreensão, os delitos são classificados pela doutrina com base em diversos fatores, tais como: quanto ao sujeito ativo, quanto à necessidade de resultado naturalístico para sua consumação, quanto à necessidade de lesão ao bem jurídico, quanto à forma e tempo da conduta, quanto à unicidade ou não do tipo penal, quanto à dependência de outro crime para existir, dentre várias outras classificações.
Quanto a mencionada dependência de outro crime para existir, deve ser considerada a existência de relação entre os delitos, verificando-se se há ou não dependência de outra infração para a sua configuração. Nesses casos, pode-se afirmar, então, a existência de um crime principal, o qual é caracterizado por aquele crime que existe independentemente da ocorrência de outro delito, ou seja, trata-se de um delito independente. Por sua vez, o crime acessório se constitui por um delito que necessita, para sua existência, da ocorrência depende de um crime anterior.
Responde-se, portanto, o questionamento abordado no início do presente texto, pois é sim imprescindível a ocorrência do crime principal para a incidência do delito acessório. Inexistindo, então, a primeira imputação (principal), também inexiste a secundária (acessória).
Sobre a temática, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao julgar a Apelação Criminal 1.0000.23.178808-4/001, decidiu:
APELAÇÃO CRIMINAL. CORRUPÇÃO DE MENORES. CRIME ACESSÓRIO. DENÚNCIA NÃO OFERECIDA EM RELAÇÃO AO DELITO PRINCIPAL. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE. – Não havendo sido ofertada a denúncia para apurar a prática da posse de substância entorpecente para consumo pessoal, necessária a absolvição do delito de corrupção de menores, por se tratar de crime acessório (TJMG – Apelação Criminal 1.0000.23.178808-4/001, Relator: Des. Fortuna Grion, 3a Câmara Criminal, j. em 29.11.2023, p. em 30.11.2023).
No referido caso, o acusado foi denunciado, a priori, pela prática dos delitos descritos no art. 28 da Lei nº 11.343/06 e no art. 244-B da Lei nº 8.069/90, contudo, em razão da prescrição da pretensão punitiva no que pese ao delito de porte de drogas para uso pessoal, o Juiz a quo não recebeu a denúncia nesse tocante, contudo a recebeu no que se refere ao crime de corrupção de menores.
Ao se insurgir contra a decisão primeva, a defesa arguiu, preliminarmente, a ilicitude das provas, em razão da nulidade da busca realizada, e, no mérito, a necessidade de absolvição do assistido, por “não restar comprovado qual dos agentes teria praticado o crime do art. 28 da Lei nº 11343/06, bem ainda porque a referida conduta é individual, não admitindo coautoria”. (TJMG – Apelação Criminal 1.0000.23.178808-4/001, Relator: Des. Fortuna Grion, 3a Câmara Criminal, j. em 29.11.2023, p. em 30.11.2023).
O desembargador relator deixou de analisar o pedido preliminar, pois o acolhimento do requerimento meritório seria mais favorável ao recorrente. Ao entender que razão assistia à defesa, o relator sustentou, in verbis:
Inicialmente, faço registrar o meu pessoal entendimento de que o crime de corrupção de menores é material.
Continuo entendendo, exatamente como sempre entendi, que a caracterização do crime em apreço, aquele tipificado no art. 244-B do ECA, exige a demonstração inequívoca da degeneração exercida pelo agente sobre a índole do menor, não bastando, para tanto, apenas tenha sido detido, no momento da prática do injusto, na companhia do inimputável. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça assentou ser desnecessária a prova da efetiva corrupção do menor, uma vez que é formal o crime tipificado no art. 244-B do E.C.A.
É esse o conteúdo da Súmula nº. 500, in verbis:
“A configuração do crime do art. 244-B do ECA independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal.”
Sendo assim, considerando ser aquele Tribunal Superior, nos termos do que dispõe o art. 105 da CR/88, a corte de justiça competente para interpretar, em única ou última instância, a lei federal infraconstitucional, passo a reexaminar, agora sim, a imputação de corrupção de menores como crime formal. Contudo, mesmo sob essa perspectiva, entendo não haver provas suficientes de que os acusados praticaram delito na companhia do adolescente Luiz Eduardo.
É verdade que, no veículo em que se encontravam os denunciados e o adolescente, foram localizados dois pinos de substância entorpecente, como se depreende do auto de apreensão (fl. 01/02 e-TJ, doc. de ordem nº 03), sendo constatado tratar-se de cocaína, como demonstra o laudo toxicológico definitivo (fl. 15/16 e-TJ, doc. de ordem nº 06).
Todavia, constato que o Ministério Público deixou de oferecer denúncia em desfavor dos acusados no que se refere ao delito do art. 28 da Lei nº 11.343/06, por haver se operado a prescrição da pretensão punitiva (fl. 28 e-TJ, doc. de ordem nº 06).
Portanto, não sendo possível a apuração do delito supostamente praticado pelos agentes, não merecer prosperar a imputação relativa ao crime de corrupção de menores, por se tratar de delito acessório.
Assim, acertadamente se posicionou o desembargador, considerando que, não havendo sido apurada a prática criminosa relativa ao delito principal, disposta no art. 28 da Lei nº 11.343/06, impossível subsistir a condenação do agente pelo delito acessório, previsto no art. 244-B da Lei nº 8.069/90.