Razão de decidirTJMG

Executividade do contrato eletrônico assinado apenas pelas Partes

Cediço que os documentos assinados eletronicamente possuem a mesma validade daqueles que foram assinados na forma física.

Entretanto, validade não se confunde com executividade e o artigo 784 do Código de Processo Civil elenca, de forma taxativa, os documentos considerados títulos executivos extrajudiciais, dentre os quais está “o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas”.

Da leitura do referido dispositivo extrai-se que um contrato particular somente terá força executiva se assinado pelo devedor e por duas testemunhas.

Todavia, considerado o cenário tecnológico e informatizado que tem sido fundo das relações negociais, os contratos muitas vezes são assinados eletronicamente, em tempo e localidades diversas.

Pensando nesse novo cenário, a exigência constante da parte final do inciso III do artigo 784 do Código de Processo Civil deixa de ter razão, haja vista que a presença das testemunhas visa comprovar a existência e a validade do contrato, função hoje atendida pela assinatura digital.

O Superior Tribunal de Justiça, considerando a informatização das relações, passou a entender pela executividade do contrato firmado eletronicamente apenas pelos contratantes (Informativo 627).

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ao analisar o processo 1.0000.23.209795-6/001, à unanimidade, rejeitou a preliminar de não conhecimento do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade e negou provimento ao recurso de apelação.

Entendeu o Tribunal Mineiro que:

a) não obstante a ausência de assinatura de duas testemunhas, a executada/embargante não nega a existência do negócio que, foi assinado eletronicamente com o envio de senha de caráter pessoal e intransferível;

b) a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido, excepcionalmente, a executividade do contrato eletrônico assinado apenas pelas partes contratantes, sendo prescindível a assinatura de duas testemunhas.

Eis a ementa do referido julgado:

 

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – CONTRATO ELETRÔNICO – AUSÊNCIA DE TESTEMUNHAS – EXISTÊNCIA E HIGIDEZ DO NEGÓCIO JURÍDICO EVIDENCIADAS – EFICÁCIA EXECUTIVA – JUROS REMUNERATÓRIOS – ABUSIVIDADE – NÃO VERIFICADA – CAPITALIZAÇÃO MENSAL – POSSIBILIDADE – RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Presente a dialeticidade entre as razões recursais e os fundamentos da decisão recorrida, a apelação deve ser conhecida. 2. Constatada a existência e validade do contrato celebrado de forma eletrônica, possível reconhecer a força executiva ao documento, ainda que ausente assinatura de duas testemunhas. 3. Consoante sedimentado pelo STJ, a revisão das taxas de juros pactuadas em contratos de mútuo bancário constitui medida excepcional nos casos em que o conjunto probatório evidenciar de forma cabal a abusividade e a manifesta desvantagem imposta ao consumidor. 4. Possível a capitalização mensal dos juros remuneratórios diante da expressa previsão contratual. (TJMG – Apelação Cível 1.0000.23.209795-6/001, Relator(a): Des.(a) Eveline Felix, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/03/2024, publicação da súmula em 12/03/2024)

 

No caso apreciado pelo Tribunal de Justiça Mineiro, a relatora manteve a sentença de improcedência dos embargos à execução, por entender que o contrato de mútuo firmado eletronicamente dispensa a assinatura de duas testemunhas para ter força executiva.

Em julho de 2023, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, acatado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais no julgamento em destaque, foi positivado pela Lei 14.620/2023, que incluiu o § 4º no artigo 784 do Código de Processo Civil com a seguinte redação: “Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura”.

O julgado revela a importância de se desenvolver uma jurisprudência voltada para a realidade da informatização das relações, a fim de entregar uma prestação jurisdicional justa e eficiente, haja vista que o direito positivado nem sempre acompanha os avanços tecnológicos.

Colunista

Avalie o post!

Incrível
0
Legal
3
Amei
0
Hmm...
0
Hahaha
0
Glaucia Chiaradia
Mestre em Direito Empresarial. Assistente Judiciário (2009-2014) e Assessora Judiciária (2014 em diante) no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

    Você pode gostar...

    Leave a reply

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *