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Nome civil: princípios, regras e prática após a Lei nº 14.382/2022

1.      Introdução

Este artigo centra-se em expor como ficou o cenário normativo acerca do nome civil após a Lei do SERP[1] (Lei nº 14.382/2022).

2.      Nome enquanto direito da personalidade

O nome é um direito da personalidade. É um direito existencial. É inerente à condição de pessoa. Por meio dele, a pessoa identifica-se perante terceiros e forma a própria visão de si.

A importância do nome para a pessoa natural é inegável. Mas não se pode negar que, especialmente nos tempos atuais, outros direitos da personalidade concorrem com o nome em termos de identificação.

O número de CPF (Cadastro de Pessoas Físicas) é um exemplo. Sua vocação inicial era no campo do Direito Tributário, para identificação dos contribuintes na sua relação fiscal. Todavia, as suas vantagens em termos de singularização da pessoa acabaram fazendo-o desbordar para o ramo do Direito Civil, tornando-se um elemento de identificação da pessoa natural. Nesse sentido, o CPF deve ser considerado um direito da personalidade. É mais seguro identificar uma pessoa pelo seu CPF do que pelo seu nome civil. Pelo nome, há riscos grandes de confusões decorrentes de homonímias. A própria legislação exige o CPF como elemento essencial na qualificação das pessoas em atos jurídicos e em processos judiciais.

Outro exemplo são os codinomes utilizados em perfis de redes sociais. A identidade digital da pessoa é um direito da personalidade decorrente da proliferação da Internet no quotidiano dos indivíduos. Em termos jurídicos, consideramos que esses codinomes digitais devem ser protegidos enquanto um direito da personalidade.

O foco deste artigo está apenas no nome civil.

O nome é decomposto em três elementos: (1) prenome, que pode ser simples ou composto; (2) sobrenome, também chamado de nome de família, patronímico (quando oriundo da linha paterna), matronímico (quando derivado da linha materna) ou sobrenome familiar; e (3) agnome. Este último, a rigor, é parte integrante do segundo, mas, por questão didática, a doutrina o trata em apartado. É por isso que o art. 16 do CC[2] e o caput do art. 55 da LRP[3] não o mencionam expressamente.

Ilustrando, o nosso nome (Carlos Eduardo Elias de Oliveira) envolve um prenome composto (Carlos Eduardo) e dois sobrenomes (Elias de Oliveira).

Os principais dispositivos que tratam do nome são estes:

  1. 16 a 19 do CC: cuidam da proteção do nome (e do pseudônimo) com foco externo, ou seja, preocupando-se com possíveis agressões praticadas por terceiros.
  2. 55 a 58 da LRP: cuidam do nome com foco interno, ou seja, assegurando o direito da pessoa em determinar qual será o nome.

Apesar de o nome ser um direito da personalidade da pessoa, há interesse público em proteger terceiros que poderiam ser prejudicados se houvesse uma tutela mais individualista do nome pelo ordenamento. Basta pensar, por exemplo, em uma pessoa que, de má-fé, causasse danos a terceiros e, depois, “desaparecesse” com um novo nome e uma nova identidade.

3.      Cenário normativo atual sobre o nome

A legislação, ao lidar com o nome, parte de alguns princípios, à luz dos quais é mais fácil compreender o cenário normativo.

O primeiro princípio é o que chamamos de princípio da individualização do nome. Por esse princípio, o nome deve buscar, ao máximo, identificar a pessoa de modo singular. O foco desse princípio recai sobre o prenome, que é o elemento do nome civil mais vocacionado a individualizar o indivíduo. Alerte-se que o sobrenome possui uma função primordial diversa: a de associar o indivíduo à sua linha familiar.

Desse princípio, decorrem algumas regras destinadas a evitar a homonímia.

Um exemplo é o art. 54, § 3º, e 63, LRP. No caso de irmãos, o ordenamento censura prenomes simples iguais. Imagine a confusão que haveria a terceiros se dois irmãos tivessem o mesmo prenome simples. Assim, caso os pais queiram conferir um mesmo prenome aos filhos, eles terão de valer-se de um prenome composto, admitido que apenas um dos elementos do prenome composto seja igual. Se se tratar de gêmeos, ambos terão de ter prenomes compostos. Se não se tratar de gêmeos, o segundo filho teria de ter prenome composto.

Exemplifiquemos.

Suponha que os pais queiram que ambos os filhos chamem-se Eduardo. Se ambos forem gêmeos, como o registro civil será feito no mesmo momento diante da simultaneidade do nascimento, os dois terão de ter um prenome composto. Um deles poderia chamar-se João Eduardo, e outro, Luís Eduardo. É vedado que ambos se chamem, por exemplo, apenas “Eduardo”. Ainda no mesmo exemplo, se não se tratar de gêmeos, o primeiro filho até pode receber o prenome simples de “Eduardo”. O segundo filho, porém, quando futuramente vier a nascer, terá de ter prenome composto, como “Carlos Eduardo”.

Outro exemplo é o art. 55, § 3º, da LRP, o qual exige que o registrador oriente os pais a acrescerem sobrenomes com o objetivo de reduzir o risco de homonímia. Imagine, por exemplo, um filho chamado apenas “Bruno Silva”. O risco de homonímia é brutal no Brasil. É conveniente alongar o nome com mais sobrenomes a fim de reduzir o risco de homonímia. O registrador não pode, porém, obrigar os pais a tanto. Seu dever é apenas de orientar, e não de impor.

Outro exemplo é o art. 55, § 2º, da LRP. No silêncio do declarante, cabe ao registrador acrescer um sobrenome do pai e outro da mãe ao nome da criança registrada. Não há ordem preferencial, nem mesmo por questão de gênero: homens e mulheres têm direitos iguais. Cabe ao registrador suprir o silêncio do declarante e coletar um sobrenome paterno e um sobrenome materno. Essa escolha deverá ser feita de modo a reduzir riscos de homonímias: esse é o critério da escolha. Havendo diferentes opções empatadas sob esse critério, cabe ao registrador decidir por equidade. Por exemplo, entendemos que, caso algum dos genitores possua um sobrenome estrangeiro, este deverá ser o último sobrenome, porque o risco de homonímia será menor. É que, dentro do costume brasileiro (e de vários outros países), as pessoas costumam ser chamadas apenas pelo prenome e pelo seu último sobrenome. Publicações acadêmicas, por exemplo, seguem esse perfil de citação dos autores das obras[4].

Mais um exemplo é o uso do agnome. Este serve exatamente para distinguir a pessoa que receberá um nome igual ao de outro familiar. O agnome é elemento final ao nome que fará essa distinção. São exemplos de agnome “Filho”, “Júnior”, “Neto”, “Primeiro” etc.

O segundo princípio que rege o nome civil é o da veracidade. Preferimos batizar como princípio da veracidade do sobrenome, porque o seu foco recai sobre o sobrenome. Por esse princípio, os sobrenomes devem retratar a verdade familiar da pessoa. Devem espelhar a árvore genealógica dela, ou seja, a sua linhagem familiar.

Por isso, é proibido incluir sobrenomes inexistentes na linha ascendente da pessoa, salvo lei em contrário (como os casos excepcionais de acréscimos posteriores de sobrenome do consorte (cônjuge ou companheiro) ou do padrasto ou madrasta – art. 57, II e § 8º, LRP).

No caso de sobrenomes presentes apenas em ascendentes de segundo ou maior grau, é necessário comprovar a cadeia familiar perante o registrador (art. 55, caput, in fine, LRP).

Questão controversa é definir se o filho poderá carregar sobrenomes apenas de ascendentes de segundo ou maior grau, ainda que seus genitores não possuam esse sobrenome. Entendemos inexistir obstáculo legal: o texto do caput do art. 55 da LRP não faz essa restrição.

Suponha, por exemplo, que o pai se chama “Manoel Silva” e a mãe “Patrícia Araújo”. Indaga-se: o filho poderia ser batizado como “Luís Corleone”, considerando que o sobrenome Corleone é comprovadamente o do seu avô paterno?

A resposta, a nosso sentir, é positiva. Todavia, entendemos que o registrador deve aconselhar os genitores a incluírem também o sobrenome de ambos ao para evitar desconfortos futuros. Realmente, em vários países, é costume associar os filhos aos genitores pela coincidência dos sobrenomes. No referido exemplo, os genitores poderão sofrer constrangimentos em viagens internacionais diante de suspeitas das autoridades imigratórias acerca da veracidade do vínculo de filiação. Apesar disso, o art. 55, caput, da LRP não faz qualquer restrição. Aliás, ele permite expressamente a inclusão de sobrenome de ascendentes distantes mediante comprovação da cadeia familiar.

Outra questão é se o filho poderá ter o sobrenome de apenas um dos genitores. Não há restrição legal. Apesar da inconveniência, entendemos ser viável. Pense neste exemplo: o pai se chama “Manoel Corleone” e a mãe “Patrícia Araújo”. Nesse caso, o filho poderia ser chamado apenas de “Luís Araújo”. O registrador, porém, deve orientar os pais acerca da inconveniência disso, mas não os podem impedir a tanto.

Entendemos que a intenção do legislador é proposital. Preferiu deixar a escolha para os declarantes, diante da existência de inúmeras variáveis. No exemplo acima, o pai poderá ter alguma razão de foro íntimo a justificar a sua vontade de não repassar o sobrenome “Corleone” ao filho. O pai poderia, por exemplo, associar esse sobrenome a algum passado vergonhoso de algum ascendente na prática de crimes cruéis. Portanto, a regra é a liberdade de escolha dos pais para os sobrenomes do filho menor. Quando o filho tornar-se maior, ele poderá acrescer outros sobrenomes, se quiser (art. 57, I, LRP).

O terceiro princípio é o da isonomia entre os genitores. Não há preferência entre os genitores, independentemente do gênero. A ideia de prestigiar a vontade do homem já foi enterrada, há muito tempo, no cemitério da história. Homens e mulheres são plenamente iguais. Por isso, ambos os genitores têm direitos iguais na definição do nome do filho.

Uma decorrência disso é o direito de oposição ao nome escolhido pelo outro genitor (art. 55, caput e § 3º, LRP). Se um dos genitores, sozinho, declarar o nascimento do filho e escolher um nome, poderá o outro genitor opor-se essa escolha no prazo de 15 dias do registro.

A oposição tem de ser motivada, diz o § 3º do art. 55 da LRP. Entendemos que o jurista deverá ser bem flexível nessa exigência de motivação, limitando-se a exigir que o genitor opoente, no mínimo: (1) esclareça que não havia consentido com o nome escolhido pelo outro genitor; e (2) indique o nome desejado. Sem essa motivação, a oposição há de ser rejeitada.

A oposição ao nome escolhido pelo outro genitor é apresentada perante o RCPN (Registro Civil das Pessoas Naturais) onde foi lavrado o assento de nascimento. Apesar do silêncio legal, deverá o registrador intimar o outro genitor para manifestar-se. Caso ele concorde com o nome indicado pelo opoente, o registrador promoverá a retificação do registro (arts. 55, § 3º, e 110, LRP). Se, porém, ele discordar, o registrador encaminhará os autos ao juízo competente. Entendemos que o juízo competente é o mesmo incumbido do julgamento de dúvidas registrais, pois o procedimento aí previsto tem natureza administrativa, e não jurisdicional. As regras do procedimento de dúvida devem ser aplicadas subsidiariamente.

Qual o critério a ser adotado pelo juiz para decidir qual o nome deve prevalecer: o nome escolhido pelo pai ou o nome desejado pela mãe?

Entendemos que o juiz deverá guiar-se por critérios objetivos e consonantes com os princípios jurídicos em pauta.

Em primeiro lugar, deverá o juiz rejeitar nomes que sejam repetições de nome de algum familiar. Isso violaria o princípio da isonomia entre os genitores. É injusto e egoísta que o filho seja, por exemplo, batizado com o mesmo nome do avô materno, se o pai discorda disso.

Em segundo lugar, deve o juiz buscar nomes que sejam mais imparciais em relação a ambos os genitores. Em sendo possível, deverá o juiz adotar prenomes compostos (contemplando os prenomes indicados por cada um dos pais) e incluir um sobrenome de cada genitor (conforme escolha deste ou, no seu silêncio, de acordo com a busca de evitar homonímias). Suponha que o pai queira o nome Manoel Araújo; e a mãe, Luís Oliveira. O juiz poderia decidir por uma mistura dessas opções em conflito: Luís Manoel Araújo Oliveira.

Em terceiro lugar, o juiz deverá buscar evitar homonímias na formação do nome. Se, por exemplo, os pais litigam, entre si, acerca da ordem dos sobrenomes, deverá o juiz decidir pela ordem que reduza o risco de homonímia. Por esse motivo, conforme já exposto anteriormente, sobrenomes menos comuns no Brasil devem ser colocados prioritariamente ao final do nome.

Em quarto lugar, na hipótese de os nomes em disputa empatarem à luz dos critérios acima, caberá ao juiz decidir de acordo com a equidade, buscando a solução que, ao seu sentir, satisfaça mais o interesse presumível da criança.

O prazo de 15 dias para a apresentação de oposição fundamentada é decadencial. Transcorrido esse prazo, não há mais o direito de oposição extrajudicial ao nome escolhido pelo outro genitor. A decadência, porém, restringe-se ao uso da via extrajudicial. Entendemos que subsistirá o direito de o genitor insurgir-se judicialmente, desde que apresente motivos razoáveis que justifiquem a sua inércia naquela quinzena decadencial, como, por exemplo, uma internação hospitalar prolongada. Pense, por exemplo, na mãe que ficou internada por um mês após o parto enquanto o pai fez a declaração de nascimento do filho e escolheu um nome não acordado previamente com a mãe.

Mais um princípio relevante é o da dignidade do nome. O nome deve ser digno. Deve promover a dignidade da pessoa humana. Deve prestigiar a identidade autopercebida pela pessoa, respeitado, porém, a segurança jurídica de terceiros.

Sob essa ótica, o ordenamento censura nomes que exponham a pessoa ao ridículo. O registrador deve negar-se a registrá-los, assegurado aos pais provocar o juiz em um procedimento que entendemos ser de natureza administrativa e que atrai subsidiariamente as regras do procedimento de dúvida (art. 55, § 1º, LRP).

Outro princípio é o da publicidade do nome. Considerando que o nome identifica a pessoa perante terceiros, é fundamental sua publicidade. No caso de mudança de nome, a regra é que terceiros tenham condições de saber o histórico de nomes. Sob essa ótica, o § 2º do art. 56 da LRP exige que as certidões deverão exibir o histórico no caso de alteração extrajudicial do prenome. Igualmente, é dever do registrador comunicar a mudança do prenome para os entes públicos incumbidos da emissão de documentos de identificação para efeito de atualização e ciência do histórico.

Há uma particularidade quando se trata de mudança de sexo e de nome da pessoa transexual. Essa hipótese é tratada no Provimento nº 73/2018-CNJ. O fato de culturas preconceituosas ainda resistirem à movimentação jurídica em favor da liberdade exige que essa publicidade seja parcialmente restringida, tudo em proteção à própria pessoa. Desse modo, as certidões, em regra, não veicularão o histórico no caso de mudança de nome e de sexo envolvendo pessoas transexuais. Só a própria pessoa ou o juiz poderão furar esse sigilo parcial (art. 5º do Provimento nº 73/2018-CNJ).

O último princípio é o da imutabilidade relativa do nome. O nome, em regra, não deve ser modificado diante da necessidade de estabilização das relações sociais em nome da proteção a terceiros. A exceção deve dar-se apenas quando o ordenamento permitir de modo excepcional.

O ordenamento admite hipóteses de mudanças de nome.

O primeiro grupo de hipóteses é o de mudança na via extrajudicial. Os casos estão nos arts. 55, § 3º, da LRP (alteração pela oposição fundamentada de um dos consortes) bem como no art. 56 da LRP (alteração do prenome) e no art. 57 da LRP (alteração de sobrenome), com exceção do § 7º deste último dispositivo (o qual exige expressamente decisão judicial para mudança de nome por conta de programa de proteção à testemunha).

O segundo grupo de hipóteses é o de mudança na via judicial. Após a Lei do SERP, não ficou mais positivada essa hipótese. Mas ela é implícita à luz dos princípios supracitados e da dignidade da pessoa humana. Poderá qualquer pessoa pleitear judicialmente a mudança de nome fora dos casos extrajudiciais acima, desde que haja algum justo motivo, conceito aberto a ser analisado pelo juiz à luz da equidade, da proteção a terceiros e da dignidade da pessoa humana. O filho do famoso narcotraficante Pablo Escobar, por exemplo, obteve a supressão do seu sobrenome “Escobar”, alegando, como justo motivo, os constrangimentos e os riscos que sofria por carregar o referido sobrenome[5]. Trata-se de um exemplo de justo motivo, que poderia ser acolhido no Brasil.

Sob essa ótica, cabe um esclarecimento em relação art. 58 da LRP, que admite a substituição do prenome por “apelidos públicos notórios”. Se a pessoa nunca tiver alterado o prenome na via extrajudicial após a entrada em vigor da Lei do SERP, essa substituição deverá ocorrer perante o RCPN, com base no art. 56 da LRP. Se, porém, ele já tiver alterado o prenome extrajudicialmente, a via do art. 56 da LRP estará fechada: sobra-lhe pedir a substituição do prenome por apelido público notório na via extrajudicial. Essa é a interpretação mais adequada do art. 58 da LRP.

Igualmente, também há direito à mudança do nome (prenome e sobrenome) no caso de programa de proteção à testemunha (arts. 57, § 7º, e 58 da LRP). Trata-se de hipótese de alteração judicial do nome: o § 7º do art. 57 da LRP é textual em exigir decisão judicial.

Em suma, a mudança judicial do nome dá-se nestes casos:

  1. a) programa de proteção à testemunha (arts. 57, § 7º, e 58 da LRP);
  2. b) segunda, terceira ou posteriores alterações do prenome, inclusive para a substituição por apelido público notório, desde que haja justo motivo (arts. 57 e 58, LRP); e
  3. c) justo motivo, desde que não se encaixe nas demais hipóteses legais de alteração extrajudicial do nome

Entendemos que a via judicial não pode ser utilizada quando a hipótese encaixar-se em umas das vias hipóteses legais de alteração extrajudicial do nome. Faltaria “interesse de agir”, uma das condições da ação. O Poder Judiciário não deve ser demandado se uma via menos onerosa e menos burocrática foi fornecida ao cidadão.

Associando-se todos os princípios acima (especialmente o princípio da individualização do nome com o princípio da veracidade, entende-se o porquê de a legislação ter severa restrição em admitir mudança do sobrenome. A flexibilidade legal é apenas com o prenome. É que a função primordial do sobrenome é vincular a pessoa à sua verdade familiar. A função de identificação é secundária. Já o papel principal do prenome é a identificação da pessoa (não só perante terceiros, mas também perante si mesma). O prenome é o elemento do nome mais associado ao princípio da dignidade da pessoa.

Sob essa ótica, a alteração imotivada na via extrajudicial é admitida apenas para o prenome após a maioridade civil (art. 56, LRP). Qualquer pessoa pode, por uma vez, mudar seu prenome sem necessidade de decisão judicial. Trata-se de um direito absolutamente legítimo em prestígio à dignidade da pessoa, que, por qualquer motivo, não se satisfez com o prenome que recebeu de seus genitores (ou de outro declarante). Cuida-se de um prestígio que o ordenamento defere à autopercepção da pessoa, como uma expressão da dignidade da pessoa humana.

Até mesmo no caso de mudança de sexo e de nome de pessoa transexual, o ordenamento permite-lhe a mudança apenas do prenome. Não pode alterar o sobrenome, pois tem a função primordial de espelhar a linha familiar.

Ainda sob a ótica acima, a alteração do sobrenome na via extrajudicial não autoriza supressão do que chamamos de “sobrenomes nativos”, assim chamados os que foram recebidos pela pessoa quando do registro de nascimento. A alteração recai apenas em hipóteses de acréscimos ou – em alguns casos – de exclusão de “sobrenomes supervenientes”, assim entendidos os que foram acrescidos à pessoa posteriormente. É o que está no art. 57 da LRP.

 

Notas e Referências:

[1] SERP: Sistema Eletrônico de Registros Públicos

[2] Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

[3] Art. 55. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome (…).

[4] Há países com costume diferente. É o caso da Espanha, em que as citações acadêmicas focam no primeiro sobrenome, e não no último.

[5] “Juan Pablo Escobar mudou nome para Sebastián Marroquín por questões de segurança e apresenta palestras nas quais fala sobre crimes do pai” (Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2018/09/20/filho-de-pablo-escobar-diz-que-mundo-deve-aprender-a-conviver-com-as-drogas.ghtml).

Colunista

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Carlos E. Elias
Professor de Direito Civil, Notarial e Registral na Universidade de Brasília - UnB - e em outras instituições. Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário (único aprovado no concurso de 2012). Advogado/Parecerista. Ex-membro da Advocacia-Geral da União (Advogado da União). Ex-Assessor de Ministro do Superior Tribunal de Justiça - STJ (turmas de Direito Privado). 1º lugar em Direito no Vestibular 1º/2002 da Universidade de Brasília - UnB. Doutorando e mestre em Direito na UnB. Pós-graduado em Direito Notarial e de Registro. Pós-graduado em Direito Público.

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