Razão de decidir

O assédio moral organizacional e sua identificação no caso concreto

Você sabia que o assédio moral pode ocorrer através de diversas formas e ter diversas classificações? E que o assédio moral e o assédio organizacional são formas específicas de violência no contexto do trabalho? Mas afinal, o que esse conceito significa? Vamos entender juntos!

O direito do trabalho tem como uma de suas bases conceituais e principiológicas a desigualdade entre as partes envolvidas. De um lado, o trabalhador que vende sua força de trabalho, seja ela física ou intelectual, de outro, o empregador que detém os meios de produção e o chamado poder diretivo, que significa o conjunto de prerrogativas para gerir e direcionar as atividades dos empregados.

Para entender melhor essa relação desigual no ambiente de trabalho é importante compreender que ela tem sua origem na própria estrutura da relação trabalhista. No entanto, essa desigualdade pode assumir novas formas quando o poder diretivo é ultrapassado. Infelizmente, é comum que ocorram torturas psicológicas no ambiente de trabalho, seja por parte do empregador ou de outros trabalhadores que exerçam cargos de chefia.

Esse tipo de comportamento é estimulado pela forma como o trabalho é organizado e pode levar a práticas de assédio. Segundo Soboll (2008, p.135), isso pode ser observado de diversas maneiras, desde a violência física, até a violência psicológica e sexual.

Apesar de ser frequente na maioria das profissões, a violência psicológica é mais difícil de ser detectada do que a violência física posto que raramente é relatada e pode afetar tanto a saúde física como a mental. Para Soboll (2008, p. 142), a violência psicológica no ambiente de trabalho se manifesta através de comportamentos agressivos de natureza psicológica que violam as regras que garantem a harmonia e convívio social dentro de uma determinada cultura, através de instrumentos coercitivos explícitos e sutis, permeados de humilhação, manipulação e constrangimento.

A própria dinâmica organizacional pode ser um importante fator que contribui para estruturar uma política de violência, o que é denominado como assédio organizacional, sendo os principais meios de práticas abusivas, a gestão por injúria, a gestão por estresse e a gestão por medo (SOBOLL, 2008, p. 81), essa prática pode ser identificada no ambiente de trabalho, como cobrança excessiva e práticas abusivas podem ser enxergadas como algo comum, inserido no contexto da atividade.

Recentemente no âmbito do Tribunal Regional da Terceira Região, a Sétima Turma identificou o assédio moral organizacional em um caso concreto e condenou a empresa reclamada a pagar R$5.000,00 (cinco mil reais).

Narrou a autora na inicial que foi contratada para o cargo de encarregada de limpeza e que exerceu referida função por aproximadamente 5 meses. Após esse período passou a trabalhar diretamente com a limpeza.

Afirmou que “foi perseguida durante um bom tempo ouvindo coisas que a deixava sempre pra baixo” e que mesmo após apresentar laudo médico para que não fizesse a função de faxina devido a gravidez de risco, a tarefa foi mantida.

O juízo de origem da Vara de Três Corações, compulsando as provas, entendeu que o tratamento inadequado por parte o superior hierárquico era dirigido a vários empregados e não apenas a reclamada, o que supostamente afastaria o reconhecimento do assédio moral.

Apesar da decisão inicial, a Sétima Turma discordou e, com base no depoimento de uma testemunha, concluiu que houve assédio moral organizacional. A testemunha afirmou ter visto o superior hierárquico da autora fazê-la chorar, e que ele tinha um relacionamento difícil com todos, além de “marcar” algumas pessoas.

Registro os fundamentos principais da referida decisão em que se extrai que a Turma julgadora não se limitou a analisar as ofensas direcionadas a reclamante, mas sobretudo, analisou a dinâmica organizacional na qual estava inserida em que o superior hierárquico assediava moralmente os funcionários:

 “In casu, o fato de o superior hierárquico praticar atos reprováveis em face de vários empregados, como demonstrou a prova oral, não afasta a figura do assédio, antes caracteriza assédio moral organizacional, o que afronta à dignidade da pessoa humana, com abuso do poder diretivo (art. 187 do CC) e violação ao direito a um meio ambiente de trabalho hígido (arts. 200, VIII, e 225, da CR).

Portanto, a hipótese de assédio moral organizacional não retira o direito da reclamante de pleitear a reparação do dano por ela experimentado.

A situação vivenciada nos presentes autos ultrapassou sobremaneira os limites do jus variandi.

Ressalto que, na hipótese dos autos, a caracterização do dano moral sofrido pela reclamante em razão do assédio praticado dá-se, ou seja, decorre in re ipsa da própria ofensa à dignidade da empregada, não sendo necessária prova acerca do prejuízo. ” (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010010-12.2021.5.03.0147 (ROT); Disponibilização: 10/03/2022; Órgão Julgador: Sétima Turma; Relator (a)/Redator(a): Antônio Carlos R.Filho)

 

Eis a ementa do referido julgado:

 

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. A indenização por dano moral decorrente do contrato de trabalho pressupõe a existência de um ato ilícito praticado pelo ofensor, de prejuízo suportado pelo ofendido e de nexo de causalidade entre a conduta antijurídica do primeiro e o dano experimentado pelo último. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010010-12.2021.5.03.0147 (ROT); Disponibilização: 10/03/2022; Órgão Julgador: Setima Turma; Relator(a)/Redator(a): Antonio Carlos R.Filho)

 

Dessa forma, a decisão é um importante precedente quanto a caracterização e identificação do assédio moral organizacional, sobretudo pelo fato de reconhecer que indiferente das ofensas diretamente dirigidas à empregada, os assédios comumente praticados pelo superior hierárquico a todos os empregados revelam o contexto no qual a autora estava inserida de forma a corroborar a narrativa inicial e caracterizar o dano apto a ensejar a reparação.

 

Referências:

BRASIL, TRT da 3.ª Região. Processo Judicial Eletrônico (PJe) n. 0010010-12.2021.5.03.0147 (ROT). Disponibilização em 10/03/2022. Órgão Julgador: Sétima Turma. Relator: Antônio Carlos R. Filho.

SOBOLL, Lis Andreá Pereira. Assédio moral/ organizacional: uma análise da organização do trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.

 

 

 

 

 

 

Colunista

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Stefany Moraes
Bacharelado em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara (2021). Exerceu a advocacia na área trabalhista (2021-2022). Assessora de Desembargador no TRT/3ª Região.

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