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Os benefícios da mediação de conflitos na esfera sucessória à luz da análise casuística

Entre os temas a que se dedica esta coluna, procuramos dialogar sobre as vantagens de se valer da mediação na prática, demonstrando como a atuação do mediador pode trazer diversas vantagens para as partes, tais como o tempo de resolução do conflito, a diminuição do desgaste emocional e a própria redução de custos financeiros do procedimento, possibilitando a solução de questões jurídicas e burocráticas que aparentemente se demonstram insolúveis.

Não viemos falar desse assunto de forma abstrata, mas da análise do caso concreto, no qual a escuta ativa aliada aos conhecimentos do ordenamento jurídico possibilitaram a prolação de sentença homologatória de partilha em cerca de um ano, permitindo o gozo do patrimônio pelos herdeiros.

No caso em tela, se tratava do óbito de idoso que convivia com sua companheira, com quem não teve filhos. Contudo, o de cujus possuía filhos de um casamento pregresso, do qual se deu a separação de fato. À época, concomitantemente ao casamento, se envolveu em uma relação extraconjugal do qual foi concebido um filho menor à época da sucessão.

No momento do óbito, todos eram maiores e capazes, com exceção do menor. Sabe-se que a menoridade de um dos herdeiros inviabiliza a adoção do inventário extrajudicial (Art. 610, §1º, CPC) e do rito simplificado do arrolamento sumário (art. 659, CPC), devendo ser adotado o rito do inventário judicial (art. 610 e ss., CPC).

Os bens deixados à sucessão totalizavam: (a) um imóvel de valor relevante, no qual o de cujus residia com sua companheira, (adquirido junto à ex-cônjuge no regime de comunhão parcial de bens); (b) um apartamento de menor valor econômico, onde residia a ex-cônjuge e um dos filhos do casal; (c)  uma quantia em dinheiro em conta bancária; e, (d) um automóvel adquirido durante o relacionamento com a última companheira.

O caso foi trazido aos mediadores, a fim de que se buscasse a solução mais efetiva possível e com o menor desgaste emocional, vez que se pretendia evitar a disputa judicial extenuante entre os sucessores, pois não havia amistosidade entre os 3 (três) núcleos familiares envolvidos na sucessão.

Ademais, importa acrescentar o fato de que o maior valor a ser partilhado se originava da venda do imóvel onde residia o falecido, e, apenas diante da concretização deste negócio jurídico, os sucessores acessariam os respectivos quinhões, em consonância aos percentuais a que faziam jus.

Caro(a) leitor(a), qual o posicionamento você adotaria neste contexto? No qual se misturam questões sucessórias, direitos reais, direitos indisponíveis, e, principalmente, relações interpessoais abaladas constituídas pela existência de 3 (três) núcleos familiares distintos?

Moldados dentro da dogmática jurídica e acostumados a uma cultura de litigiosidade, talvez, o jurista que escutasse o caso logo propusesse a realização de um inventário judicial, para partilha dos bens com intimação dos demais sucessores para que se manifestassem nos autos.

Observando de uma maneira rápida, tal solução colocaria nas mãos de um terceiro (Estado-juiz) a resolução da lide, impondo às partes a decisão proclamada, e assim, evitando a deliberação conciliatória entre os núcleos familiares formados pelos sucessores.

Contudo, não raro, as decisões judiciais em processos sucessórios são morosas, podendo os autos tramitarem por vários anos, e, a despeito da demasiada espera, nem sempre satisfazem a todos os herdeiros. Isso porque o judiciário não está afeiçoado aos vínculos afetivos dos envolvidos na sucessão, tampouco à relação de identidade de cada herdeiro aos bens deixados em herança.

Ademais, o ajuizamento de uma ação litigiosa provocaria também o maior dispêndio de recursos, tanto do Estado quanto das partes, vez que o inventário judicial é um rito longo, no qual se desenvolve uma série de procedimentos.

No andamento do processo surgem vários ônus como as custas de conservação dos bens, perícias, atividade do judiciário, pagamento de honorários aos advogados e, frequentemente, conflitos que ocasionam o desgaste emocional das partes, terminando por nem sempre entregar de maneira efetiva e eficiente os bens jurídicos buscados.

Ademais, tal processo pode ser estendido por uma série de incidentes capazes de fazer uma sucessão durar décadas, tais como o requerimento de remoção do inventariante (art. 623 do CPC), a habilitação de credores do de cujus (art. 642, do CPC) e a série de recursos previstos no ordenamento jurídico, ainda mais no caso do inventário, em que não existe limitação para interposição de agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único, CPC), possibilitando o recurso de qualquer decisão interlocutória prolatada em todo o procedimento.

Então, caro (a) leitor(a), a esta altura você deve estar se perguntando qual o meio que foi utilizado para resolver este imbróglio entre os sucessores no caso concreto.

Neste contexto, foi oferecida às partes a tentativa de mediação do conflito para a formalização da partilha consensual, realizada através de encontros presenciais, ligações telefônicas e conversas pelas plataformas digitais, de maneira que a negociação dos interesses trouxesse conforto às partes.

Uma providência essencial do procedimento extrajudicial da mediação foi demonstrar à todos os sucessores que os mediadores não estavam exercendo a advocacia para nenhuma das partes, mas sim agindo de forma imparcial na busca da composição consensual entre os herdeiros, com o fito de facilitar o processo sucessório. De forma que, nesta condição imparcial, os mediadores não podem atuar posteriormente na defesa do interesse de qualquer das partes em um processo litigioso relacionado ao caso.

Tal esclarecimento inicial do papel da mediação gerou confiança das partes nos mediadores, trazendo reconhecimento àqueles profissionais enquanto catalisadores do consenso para a partilha do acervo patrimonial deixado e bem-estar dos sucessores diante da situação de aflição vivenciada, e assim, percebendo honorários pela prestação do serviço e não pelo êxito de determinado herdeiro sobre outro.

Durante o diálogo foi fundamental a escuta real das partes, seus anseios e necessidades diante do conflito, que não se restringiu apenas à questão econômica, mas ao reconhecimento, de uns aos outros, do afeto que cada um tinha pelo de cujus, bem como dos sacrifícios e das angústias vivenciados no decorrer das relações. Também estava em questão o vínculo em relação aos imóveis que representavam a construção das histórias das famílias interconectadas.

Em cerca de três meses de tratativas, as partes chegaram ao consenso, no qual se decidiu que a companheira ficaria com os valores retidos na conta bancária do de cujus e com o automóvel, além de seu quinhão no imóvel que iria desocupar em até 2 (duas) semanas para que o corretor contratado pudesse proceder à venda do bem, tendo abdicado do quinhão no apartamento em que residia a ex-cônjuge do de cujus e um(a) filho(a).

Por sua vez, a ex-cônjuge permaneceria no apartamento em que residia, diante da abdicação dos filhos(as) das respectivas quotas no imóvel da mãe. A ex-cônjuge também receberia sua quota do imóvel a ser vendido, a título de meação do bem. Aos filhos(as) da ex-cônjuge caberia os respectivos quinhões do imóvel a ser vendido, o qual constitui o bem de maior valor no espólio.

Por fim, sendo indisponível o quinhão do menor, foi acordado por meio da sua representante legal, o recebimento do quinhão em dinheiro em cada bem pertencente ao espólio, sem qualquer concessão.

Dessa forma, em pouco tempo foi formalizado o acordo, com posterior propositura da ação de inventário, tendo sido requerida a homologação da partilha apresentada na inicial, bem como a concessão de liminar autorizando a venda do imóvel pelo inventariante designado pelas próprias partes, com depósito dos valores da venda em juízo.

Assim, a magistrada determinou a intimação do Ministério Público e da Fazenda Pública Estadual para manifestar sobre os pedidos. Diante do asseguramento dos direitos do menor, o Ministério Público não se opôs ao pleito e a Fazenda Pública Estadual requereu o lançamento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ICD).

Após as supracitadas manifestações, a juíza concedeu o pleito liminar e determinou o lançamento do ICD. Enquanto se aguardava o lançamento do tributo, o ímovel foi vendido. A homologação da partilha se deu em cerca de um ano, graças ao consenso angariado entre as partes com a concretização célere de diversas etapas que seriam realizadas morosamente em um procedimento judicial litigioso.

Tal caso concreto, demonstra como a mediação pode garantir a efetividade e eficiência da justiça, assegurando de maneira célere a resolução de controvérsias que tardariam anos no judiciário caso não houvesse o diálogo das partes. Assim, mesmo diante de direitos indisponíveis, no qual é necessária a intervenção judicial, os trâmites processuais são reduzidos quando todas as partes são concordes e a indisponibilidade do direito assegurada, garantindo a satisfação antecipada das partes.

Essas benesses são sobremodo majoradas diante de uma sucessão em que não há menores, uma vez que se pode adotar a via extrajudicial para partilha dos bens, conforme autorizado pelo art. 610, §1º, do CPC. Dessa maneira se viabiliza a satisfação dos envolvidos e a harmonização social, uma vez que as partes decidiram o conflito, pondo elas mesmas o fim à situação de aflição.

Considerando, sobretudo, que a ex-cônjuge era pessoa idosa, e que todo o processo tramitou em cerca de um ano, foi determinante a adoção da mediação ao caso esposado, visto que o tempo se demonstrava questão fundamental para as partes.

Portanto, caro(a) leitor(a), é importante ao jurista considerar a possibilidade da mediação de cada caso trazido à sua análise, vez que o meio conciliatório, além de reduzir o tempo a ser despendido no procedimento, também pode garantir a máxima satisfação das partes, e, assim, a obtenção imediata dos bens da vida buscados.

Colunista

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Marina Pedrosa & Mateus Siqueira
Marina Pedrosa: Especialista em Direito Tributário e Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Mediadora Humanista - Certificada pelo Centro Mediah. Advogada. Mateus Siqueira: Pós-graduando em Direito Tributário e Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Mediador Humanista - Certificado pelo Centro Mediah. Advogado.

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