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UMA BREVE ANÁLISE DA DESIGUALDADE SOCIAL: AS DESIGUALDADES DE RENDA DO TRABALHO E DE CAPITAL ATRAVÉS DAS LENTES ECONÔMICAS DE THOMAS PIKETTY.

Um dos temas sobre tributação que mais me instiga é aquele que relaciona o papel dos tributos na análise das desigualdades sociais, no qual encontramos claramente o debate sobre justiça fiscal e podemos compreender a importância desta receita derivada de Estado.

O objetivo desse texto é fazer uma análise da desigualdade social, com o foco nas disparidades das rendas do trabalho e do capital, utilizando como base a pesquisa realizada por Thomas Pikkety em seu livro “O Capital do Século XXI”.

No seu célebre livro, “O Capital no Século XXI”, o economista francês Thomas Piketty, faz uma abordagem sobre as desigualdades e a concentração de renda, onde constata que para estudar as desigualdades de renda, seria necessário analisar três dimensões: a) a desigualdade de renda do trabalho; b) a desigualdade de renda do capital e das rendas; e, c) a relação entre essas duas primeiras dimensões. Piketty considerada rendas de trabalho  os salários e os valores percebidos por trabalhos não assalariados; e as rendas de capital como sendo aquelas recebidas sobre o título de propriedade do capital, independente de trabalho.

Dentre os principais motivos para a ocorrência das desigualdades de renda de trabalho, o autor aponta: as variáveis de oferta e demanda por qualificação; o estado do sistema educacional de uma determinada sociedade; e o processo de formação do salário. E com relação às desigualdades da renda de capital, o autor apresenta como alguns dos motivos: os processos de poupança e investimento; regras de sucessão; e as regras de funcionamento dos mercados imobiliários e financeiros.

Antes da Duas Grandes Guerras, mais especificamente no período da Belle Époque, a maior fonte de riqueza se concentrava em relação aos bens herdados, de modo que a ascensão por renda de trabalho era quase inexistente. Nesta época, inclusive, a disparidade entre as diferentes classes era extrema, de modo que praticamente só existiam 2 classes sociais: 10% (dez por cento) no topo, que concentrava aproximadamente 90% (noventa por cento) de toda a riqueza; e outra classe de 90% (noventa por cento) da população, que possuía apenas 10% (dez por cento) de toda a riqueza da época. Esta realidade foi muito bem retratada pelo discurso de Vautrin, no Livro O pai Goriot, de Balzac.

Após as Duas Guerras Mundiais, o que se verificou foi uma redução das desigualdades sociais, e o surgimento, mesmo que insatisfatório, de uma classe média patrimonial.

Acerca da luta de classes, Piketty trata das três dimensões separadamente.

Antes de adentrar na análise feita pelo autor, vale salientar o fato de que ele divide a sociedade em três estamentos: os 10% mais ricos (DÉCIMO SUPERIOR); os 40% da classe média; e os 50% da classe mais baixa.

Não obstante utilizar esses parâmetros para fins didáticos, o autor adverte que este modelo não é absoluto e nem fidedigno à realidade social, porquanto existem significativas discrepâncias  dentro de cada um desses estamentos. Por exemplo, ele constatou que dentro da classe do “décimo superior”, existe uma classe dominante, composta por 1% (um por cento) do total, que é muito mais rica do que a média social; e classes abastadas, que compõem 9% (nove por cento) do total social.

Quando da análise da desigualdade de renda do trabalho, o autor demonstra que nesta dimensão a desigualdade é mais branda, e aponta o fato de que a renda que advém do trabalho consiste em cerca de 2/3 (dois terços) ou 3/4 (três quartos) da renda nacional.Sugere ainda que, as políticas públicas e as diferenças nacionais podem ter consequências para os diferentes níveis de desigualdade da renda do trabalho.

De acordo com os estudos de Piketty, em países escandinavos, onde a desigualdade não é tão acentuada, considerando uma renda salarial média de dois mil euros: os 10% mais ricos ganham em média quatro mil euros (e os 1% da classe dominante ganham em torno de dez mil euros); os 40% da classe média ganham por volta de dois mil e duzentos e cinquenta euros; e os 50% da classe inferior, ganham em média mil e quatrocentos euros. Já em realidades mais desiguais, como a sociedade norte-americana dos anos 2010-2011, os 10% mais ricos ganham em média sete mil euros (e os 1% da classe dominante ganham em torno de vinte e quatro mil euros); os 40% da classe média ganham por volta de dois mil euros; e os 50% da classe inferior, ganham em média mil euros.

Noutro giro, o autor verificou existirem disparidades extremas na desigualdade das rendas de capital, muito mais acentuadas do que as desigualdades das rendas do trabalho. Esta diferença extrema é encontrada até nos países escandinavos (que apresentam uma desigualdade discreta no que diz respeito às rendas de trabalho). Nestes países (considerados como os menos desiguais), a concentração de renda de capital dentro do “décimo superior”, é de 60% (sessenta por cento) da riqueza total, enquanto os 50% mais pobres possuem apenas, em média, 5% (cinco por cento) do total da renda de capital. Foi constatado que a moradia é o investimento favorito das classes médias e dos moderadamente abastados. Mas a verdadeira fortuna é sempre composta de ativos financeiros e profissionais, concentradas na classe dominante (CENTÉSIMO SUPERIOR).

Não obstante essa disparidade gritante, o autor afirma que o desenvolvimento de uma verdadeira “Classe Média Patrimonial” constitui a principal transformação estrutural da distribuição da riqueza nos países desenvolvidos do século XX. De modo que, mesmo não havendo uma distribuição satisfatória de renda, hoje já vemos uma melhoria em relação ao tempo da Belle Époque, onde só haviam duas classes: 10% mais ricos, que concentravam 90% da riqueza; e 90% da população que possuía apenas 10% da riqueza total.

Outro fato muito importante apontado pelo economista, é com relação à análise da terceira dimensão, onde se considera as desigualdades de renda de trabalho juntamente com as desigualdades de renda de capital. Neste momento, o que se verifica é que a desigualdade total da renda fica mais próxima da realidade da distribuição da renda do trabalho, isto porque as rendas de capital constituem uma parte limitada da renda nacional, o que torna tolerável as grandes disparidades apresentadas. Afirma-se ainda que o que ajuda a manter as situações de desigualdade é a justificativa apresentada para tanto.

De acordo com o texto, existem duas formas de se chegar (e justificar) a extrema desigualdade:

a) Esquema clássico de Sociedade Hiperpatrimonial: um modelo de sociedade em que os patrimônios são muito importantes e a concentração atinge níveis muito elevados. A renda total é dominada pelas rendas muito elevadas de capital e, sobretudo, pelas rendas do capital herdado.

b) Esquema novo de Sociedade Hipermeritocrática: sociedade muito desigual, mas o topo da hierarquia de rendas seria dominado pelas rendas do trabalho mais altas, e não pelas rendas herdadas.

Estes dois modelos se misturam nas sociedades, de modo que um superexecutivo, que teria conseguido ascender por uma lógica meritocrática, pode ter filhos que ascendam patrimonialmente tão somente pela lógica do hiperpatrimonialismo, através dos bens herdados.

Todos esses indicadores apresentados pela obra citada são muito relevantes para compreendermos a lógica da desigualdade de renda no mundo. Apesar de nesse livro l, Piketty não tratar especificamente da realidade brasileira, verificamos que a lógica aplicada aos países tidos como mais desiguais, poderia ser aplicada ao nosso país.

Piketty, ao fazer um estudo acerca da desigualdade na distribuição de renda no Brasil afirmou que, no ano de 2015, os 10% (dez por cento) mais ricos concentravam cerca de 55,3% da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres possuíam apenas 12,3% da renda nacional; e a classe média ficava com apenas 32,4%, esmagada entre os anos de 2001 a 2015, pois não se beneficiou das políticas sociais, e nem fez parte do acréscimo patrimonial decorrente dos ganhos de capital[1].

Dentro destas análises, Piketty afirma que o Brasil não voltará a crescer de forma sustentável enquanto não reduzir sua desigualdade e a extrema concentração de renda no topo da pirâmide social.

De fato, é o que verificamos na realidade brasileira, onde existe uma extrema desigualdade de renda, que leva a números assustadores, e é respaldada pelas políticas praticadas pelos governantes nacionais, onde se continua a: conceder benefícios fiscais imotivados e sem nenhuma fiscalização;  isentar a tributação de lucros e dividendos; impor políticas de austeridade contra a parcela mais pobre da população; e, adotar uma tributação injustamente regressiva.

 

Referências:

[1] MÁXIMO, Wellton. Desigualdade de renda no Brasil não caiu entre 2001 e 2015, revela estudo. Agência Brasil:  Brasília. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-09/desigualdade-de-renda-no-brasil-nao-caiu-entre-2001-e-2015-revela-estudo. Acesso em: 20/04/2019.

Colunista

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Larissa Pinheiro
Mestra em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professora na Faculdade do Sertão do Pajeú (AEDAI-FASP), lecionando as disciplinas de Direito Tributário e Direito Processual Civil. Participante do grupo de estudo Moinho Jurídico / UFPE. Membra da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Advogada no Escritório Larissa Pinheiro Advocacia, onde atua nas áreas de Tributação, Sucessão e Regularização Imobiliária.

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