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Aula 09 – A Tutela Provisória no CPC – 3ª. Parte: ainda no parágrafo único do CPC, a tutela preventiva (uma continuação)

Na aula passada, fixamos o conceito de tutela preventiva, observando pelo aspecto lógico. É necessário, todavia, (tentar) enquadrá-lo em algumas das formas previstas na legislação (o CPC, sobretudo) brasileira acerca das tutelas de direitos.

 

Nesse sentido, no âmbito da tutela provisória, identificamos que, ao menos em aproximação, a tutela preventiva liga-se à tutela cautelar, forma jurídica prevista, antes de tudo, no parágrafo único do art. 294, CPC.

 

Resta-nos, porém, identificar se, basicamente, a tutela cautelar, tal como estabelecida no CPC, é suficiente para abranger todo o fenômeno preventividade, devidamente descrito na aula anterior.

 

Enfim, nesse sentido, pode-se dizer que tutela preventiva = tutela cautelar?

 

Nesta aula, temos a pretensão de resolver esse problema.

 

Pois bem. Antes de tudo, é preciso reforçar que, por tutela cautelar aqui, temos não as ideias da doutrina desenvolvidas sobre, algumas (como a de Ovídio Baptista da Silva), aliás, muito bem desenvolvidas; em verdade, estamos a falar aqui da tutela cautelar no molde lhe colocado no CPC. Nosso interesse é, antes e acima de tudo, dogmático, ou seja, o mais importante é saber se a previsão do direito positivo é suficiente para regular determinado fenômeno (no caso, o da preventividade), ou não. A suposta correção analítica de determinada doutrina acerca do tema que estamos a abordar está longe de ser o mais relevante em nossa exposição.

 

Passemos, pois, à análise da tutela cautelar na previsão do CPC.     

 

Nesse sentido, é possível dizer que, envolto em tal previsão, há um conceito de tutela cautelar?

 

A resposta é, ao menos pragmaticamente, positiva.

 

A delimitação do que, no sistema do (Livro V do) CPC, vem a ser a tutela cautelar se encontra no caput do art. 305, mais propriamente, na expressão: “direito que se objetiva assegurar”.

 

Encontra-se, aí, a base para a conceituação da tutela cautelar. A tutela cautelar é, nesse sentido, a espécie de tutela provisória cujo fim é assegurar um direito (uma situação da vida tutelável juridicamente, para sermos mais precisos).

 

Tem-se, desse modo, uma definição pelo fim.

 

E, supostamente em oposição, há a tutela antecipada, cujo fim, na forma do caput do art. 303, é realização (satisfação do direito).

 

Assim, ao menos aparentemente, poder-se-ia dizer que, como a tutela cautelar visa a assegurar algo, ela seria abrangente do fenômeno da preventividade. Até porque assegurar e prevenir são expressões sinônimas.

Não se pode, contudo, entender de tal modo. Não obstante seu fim, visto em si mesmo, seja maximamente abrangente, a tutela cautelar é limitada previamente a determinadas situações. Limitada pelos seus pressupostos. Uma limitação de base, portanto.

 

Nesse sentido, a tutela cautelar, como cediço, baseia-se, por um lado, na probabilidade do direito e, por outro, no perigo de dano ou no risco ao resultado útil do processo.

 

É são exatamente os dois últimos que, concorrendo entre si, que limitam a tutela cautelar. Isto porque, conforme demonstraremos em momento próprio, ambos têm a ver com o dano, que, como já sabemos, é um resultado possível de fatos dos mais gerais, sobretudo dos ilícitos.

 

Isto é: trata-se de uma tutela que não tem a força de impedir a ocorrência dos ilícitos em si, mas sim, também no que tange a estes, apenas do resultado danoso.

 

Impede-se o resultado; não a causa.

 

Assim, se o fundamento for outro, a tutela, ao menos na literalidade das disposições do CPC que estão sendo analisadas, não pode ser a cautelar.

 

Disto, porém, algumas perguntas vêm à tona:

 

i) primeiramente, qual seria esse outro fundamento senão perigo de dano e risco ao resultado útil do processo?

ii) caso exista uma tutela de urgência fundada em algo que não seja um dos dois acima postos, essa tutela não poderia ser enquadrada como tutela satisfativa, isto é (já adiantando algo ainda por ser demonstrado), na nomenclatura do CPC, a tutela antecipada?

 

Para resolver à primeira acima (item [i]), temos por indício o fato (já demonstrado anteriormente) de que a ideia de prevenção se gradua desde um impedimento do ilícito até uma simples garantia de ressarcimento.

 

Desse modo, será que, na ideia de perigo de dano ou na de risco ao resultado útil do processo, consegue-se abarcar toda essa gradação da preventividade?

 

Para tanto, é preciso saber o que é um e o que o outro

 

Passemos, portanto, a essa análise.

Em ambos, há, indubitavelmente, a presença do elemento urgência, pois que ambos se fundam numa espécie de risco (ou perigo), não em algo ultimado propriamente.

 

Ou seja, não é um ato consumado que move tais possibilidades, mas sim a simples possibilidade de isto ocorrer.

 

Uma consideração relevante: pode-se dizer que tanto um quanto o outro referem-se ao chamado perigo da demora?

 

O conhecido periculum in mora.

 

Não, não propriamente.

 

Isto porque os primeiros são ínsitos à causa, e não ao procedimento propriamente; enquanto o último é referente ao procedimento.

 

Perigo da demora é, em rigor, fato processual que possibilita a antecipação dos efeitos da tutela.

 

Relembrando algo que nos é fundamental: ao menos na expressão do CPC, uma coisa é tutela antecipada e outra antecipação dos efeitos da tutela.

 

Esta é, basicamente, o meio processual que possibilita efetivar, no agora, aquilo que só viria (no) depois. E esse depois é referente ao procedimento em questão. Em todo procedimento há um momento final, no qual, em princípio, a tutela é deferida, e há, obviamente, momentos anteriores, nos quais pode se dar a antecipação.

 

Antecipa-se, a depender do procedimento, qualquer tutela, inclusive a tutela de tipo provisório é antecipável.

 

Assim, o chamado perigo da demora é um dos fundamentos, em concorrência, que possibilitam a antecipação.

 

Mas, observem, somente é possível fazer alusão à antecipação (da tutela) diante de um procedimento, antes dele, nunca, jamais, pois, independentemente dele.

 

Até porque o termo demora refere-se ao procedimento, é uma demora dele, o procedimento.

 

Uma incapacidade dele de possibilitar a tutela efetiva em determinado caso.

 

perigo de dano e risco ao resultado útil do processo são expressões que se referem à causa em si, independem do procedimento.

 

Mesmo antes deste, pode já haver qualquer daqueles.

 

Percebam, se numa relação obrigacional qualquer, o devedor começa a dilapidar seu patrimônio, ocorre um risco ao efetivo pagamento, um risco de lesão ao crédito,

 

Já há aí o chamado perigo de dano.

 

Mesmo que não haja, ao menos não ainda, qualquer procedimento.

 

Perigo de dano, assim, ingressa no processo como fundamento da causa, como um dos componentes da causa de pedir.

 

Observem, se no caso acima, o credor resolver pedir o bloqueio de um imóvel do devedor, ele baseará tal bloqueio em que?

 

Na dilapidação do patrimônio, que configura a hipótese perigo de dano.

 

Isto independentemente do procedimento. A causa, reparem, já inicia de tal modo.

 

Claro, é possível que o próprio perigo de dano – máxime a depender de sua gravidade – enseje, além de tudo, o perigo da demora.

 

Além de fundar o pedido de bloqueio do imóvel, no caso, até por sua gravidade, ele dê ensejo a necessidade de antecipar a tutela (que, em si, no caso, já é de urgência) pois se o bloqueio vier ao final não terá mais sentido, pois a dilapidação já estará consumada.

 

Tanto é verdade serem eles diferentes que existem situações do seguinte tipo:

 

ingressa-se com uma ação para suspender um procedimento licitatório. A razão da suspensão é o perigo de dano aos concorrentes. Em princípio, a suspensão – se, de fato, há esse perigo – deve se dar no primeiro momento. No entanto, no caso, a etapa seguinte do procedimento só se realizará em 10 dias. Neste caso, deve o juiz deferir de imediato a medida (antecipando os efeitos da tutela) ou ouvir os réus em tempo hábil? Isto é, ouvi-los antes dos 10 dias.

 

Então aí, observem, o perigo de dano não está a ponto de ensejar um iminente perigo da demora que pudesse possibilitar o imediato deferimento da medida; aqui, embora o perigo de dano, é possível ouvir os réus em tempo hábil.

 

E o chamado risco ao resultado útil do processo, o que seria?

 

Neste caso, claro, há o elemento processual presente na configuração do risco.

 

É um tipo de risco de dano (ou de outra lesão) que tem por base o processo, o caminhar do processo, o procedimento.

 

No entanto, não como um perigo da demora propriamente, mas sim como perigo que se apresenta num processo. Leva-se em conta o resultado deste que seria inútil, sem sentido.

 

É dizer: é preciso estabelecer uma forma diferenciada de tutela jurisdicional porque, do contrário, o resultado a ser obtido será inútil.

 

Mira-se no processo, mas com base no caso.

 

Na causa.

 

É possível dizer que, algumas medidas, incluindo medidas cautelares, guarnecem o resultado processual?

 

Sim, é possível, e tem alguma utilidade. Não obstante consideráveis entendimentos doutrinários, como sobretudo o de Ovídio Baptista da Silva, a quem, no ponto, segui, quase irrestritamente, por anos; hoje sigo-o ainda, conquanto com algumas ponderações, que considero fundamentais. Eis uma delas.

 

É inegável, por exemplo, que um arresto de bens de um devedor que esteja arruinando seu patrimônio, além de garantir o crédito em si, garante a própria execução da decisão que condenar o devedor a pagar.

 

As cautelares, como – por excelência – o arresto, podem ter essa dupla feição: garantia do direito e do resultado útil do processo.

 

Agora, o que não se pode fazer é condicionar toda medida cautelar à ocorrência de um processo no qual o direito acautelado possa ser realizado.

 

Isto é: condicionar necessariamente a medida cautelar a uma ação (dita) principal.

 

No geral, porém, pode-se observar a medida por um lado – o do perigo de dano – e pelo outro – o do risco ao resultado útil.

 

São formas distintas de observar o problema, observar o fenômeno.

 

No entanto, em ambos, há a presença da questão referente ao dano.

 

Ele diretamente, seja afetando o direito (perigo de dano), seja afetando o resultado processual.

 

Ambos, perigo de dano e risco ao resultado útil do processo são (primeiras) etapas de um dano por se consumar.

 

Mas o que é dano?

 

Como já sabemos, é sempre um resultado.

 

Dano não é ato em si.

 

Dano não é causa.

 

No caso de um dano juridicamente relevante (isto é, o chamado dano indenizável), ele é causado por fatos juridicamente relevantes, dentre eles, os ilícitos.

 

Embora possa decorrer de fatos jurídicos lícitos, o dano é também decorrência – e acima de tudo – de ilícitos.

 

O ilícito é o ato em si; o dano, um resultado possível dele.

 

Assim, quando se alude à ideia de dano, à ideia de uma medida para impedir a ocorrência do dano, por força, portanto, do perigo de dano, mira-se o resultado.

 

O resultado de determinado ato, que, em geral, é um ilícito.

 

Contudo, sabemos, que o ilícito em si já é relevante para fins de tutela; mais propriamente, que a possibilidade de ele ocorrer já é suficiente para ensejar o deferimento da tutela do direito.

 

Ou seja, um agir preventivo (tutela preventiva) que se refira não ao resultado possível (um dano), mas sim à simples possibilidade de um ilícito ocorrer, ilícito este que é causa possível de um dano.

 

Logo, a ideia de dano (de perigo de dano, seja este diretamente ao direito tutelável, seja ao resultado útil do processo referente a tal direito), não é suficiente para abranger todo o fenômeno da preventividade.

 

Este não se encontra, portanto, totalmente abarcado na hipótese do caput do art. 300, especificado pelo caput do art. 305, ambos do CPC.

 

Nestes, não há menção à tutela contra a possiblidade do ilícito em si, o ilícito independentemente do que ele possa causar.

 

Há, porém, previsão disto em algum outro lugar, em algum outro lugar do próprio CPC?

 

É o que veremos na próxima aula.

 

Até lá.

 

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Roberto Campos
Doutor e Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil da Unicap. Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Advogado e Consultor Jurídico.

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