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Você já usou legal design e nem sabe disso

Texto originalmente publicado no site Consultor Jurídico (Conjur), em 17/06/2021.

 

Recentemente, escrevi um texto informativo/opinativo sobre o legal design e o visual law, campo do Direito em que venho aprofundando meus estudos, muito levado pelas minhas origens enquanto comunicador. Aquele texto foi baseado em uma recente pesquisa elaborada pelo Visulaw, grupo que desenvolve o tema no Brasil.

Após publicação nas minhas redes sociais, o texto veio parar na ConJur, o que foi motivo de alegria. Afinal, parece-me que o tema vem despertando o interesse de mais e mais colegas, além de debates dos quais me abstive em razão do completo atropelo do dia a dia. Afinal, trabalhar com uma nova área jurídica é um desafio diário: entre apresentações, reuniões e criação de novos produtos, meu cartão de visitas sempre é uma nova oportunidade de ensinar e aprender.

Entre um trabalho e outro, verifiquei uma mensagem no WhatsApp, enviada por uma colega a grupo composto por parceiros e membros ativos do Visulaw, que compartilhou o texto do professor Lenio Streck, publicado na coluna “Senso Incomum” da ConJur. Era uma crítica ao Legal Design e ao Visual Law. Assim, eu, curioso que sou, logo acessei o texto.

Não demorou muito para entender que o professor não só utilizou meu texto despretensioso como plataforma a sua crítica ao legal design, ou pelo menos a algo que ele nominou como legal design, como se referenciava a mim de forma jocosa.

Apesar de o texto iniciar com uma crítica ácida por ter optado por uma linguagem mais leve e coloquial, segui com a leitura no intuito compreender de onde derivava a opinião veiculada. E lá está, escancarada para quem quiser ler, que o legal design desmoraliza o Direito, na medida em que o torna compreensível a todos ao custo de uma suposta vulgarização do seu estudo acadêmico.

No mais, o texto só me fez confirmar o que a maioria das minhas reuniões de apresentação sobre o tema a outros colegas já revelou: o ensino jurídico no Brasil é autocentrado e a sua dogmática hermética é um entrave à necessária multidisciplinariedade do profissional do direito de hoje. Juristas são ótimos para fazer, interpretar e aplicar normas; mas terríveis em interagir com aquilo que não conhecem.

A análise proposta na coluna sequer poderia ser definida como tal. Afinal, é pressuposto de qualquer análise que se delimite o objeto e, no caso do legal design, os juristas pouco o conhecem. Longe de mim criticar a sapiência do professor Lenio, ou de seus seguidores/admiradores, que também expressaram sua opinião — ainda que copiada do seu mestre — nos comentários do meu texto anterior da ConJur. Afinal, eles acreditam, penso eu, que o objeto foi suficientemente delimitado e, portanto, analisado.

Para tentar esclarecer o equívoco no ponto de partida, eu trago o conceito de legal design cunhado pela pesquisadora americana Margareth Hagan, da Universidade de Stanford, um dos principais centros de pesquisa sobre a temática. Segundo Hagan (em tradução livre), Legal Design é a aplicação de técnicas do design centrado na interface humana ao mundo do Direito, a fim de tornar os sistemas e serviços legais mais acessíveis, satisfatórios e focados no indivíduo”.

Mesmo explicando dessa maneira simples, tenho certeza de que os muitos vão continuar com o mesmo discurso anacrônico, defendendo que as inovações empobrecem a nobilíssima arte do Direito. É diante disso que tenho uma péssima notícia à minha oposição. Vamos lá, segurem-se nas suas cadeiras: todos vocês já usaram ou fazem uso diário de legal design. Vamos entender melhor?

Com base no conceito geral de legal design e sua aplicação, podemos concluir que ele trata da aplicação de metodologias próprias do design para solução de problemas jurídicos, aproximando o indivíduo das demais interfaces que se exteriorizam a partir do Direito.

Ou seja, qualquer produto teórico-jurídico é passível de humanização e simplificação, mantendo seus significados epistêmicos sem torná-lo simplório. A medida do conhecimento não pode ser aferida pelo volume de informação produzida, mas sim pelo impacto transformador e revolucionário que carrega e se exterioriza nos mais diferentes interlocutores.

Aqui, a referência do professor Lenio a Kelsen foi, no mínimo, conveniente. Quando se propõe o desafio de explicar uma teoria com legal design, eu respondo com o resultado do trabalho do filósofo austríaco. Afinal, o modelo piramidal utilizado por Kelsen no desenvolvimento de sua Teoria Pura é uma proposta em legal design/visual law; e muitos leitores desse texto não teriam passado tão bem pelas aulas de Introdução ao Estudo do Direito sem essa ajuda.

Mais um exemplo cotidiano de legal design me vem à mente quando me recordo de Nilcéa Maggi, professora e juíza federal com quem tive o prazer de aprender os primeiros passos do Direito Processual Civil na Faculdade de Direito do Recife. Apesar de ter me feito decorar vários artigos do finado CPC 1973, Nilcéa também me ensinou, mesmo que inconscientemente, design aplicado ao Direito, quando orientava a utilização do negrito para destacar as informações mais importantes das peças processuais. Sem nem saber, ela lecionava conceitos básicos de hierarquia da informação, contraste, aproximação de elementos, fluxo de leitura, entre tantos outros fundamentos do legal design.

E aos que não tiveram o prazer de ter a Dra. Nilcéa como professora, trago um último exemplo de aplicação de legal design com o qual muitos leitores aqui, com certeza, já se depararam. Quando atuamos nos tribunais superiores (assim como nas segundas instâncias de vários tribunais administrativos), não raro a norma processual nos obriga, como requisito primitivo à admissibilidade recursal, a cotejar a decisão recorrida com outro provimento judicial.

A forma mais recorrente para demonstrar o cumprimento desse requisito, apesar de não ser obrigatória e normatizada, é a justaposição de ementas e trechos dos julgados selecionados, ladeando-os graficamente com os argumentos contrapostos, o que — não se espante! — também é legal design.

A subversão da narrativa argumentativa clássica, por opção do autor, dá espaço a um modo de leitura graficamente comparativo, a fim de ressaltar o dissídio que se propõe. Com a correta utilização de elementos de legal design, ganham todos: o advogado, que é bem compreendido; o magistrado e sua equipe, que mais facilmente compreendem os fatos ou argumentos abordados, além do jurisdicionado, que, caso queira, poderá ler e entender como seu caso foi abordado no âmbito do Poder Judiciário.

Por óbvio, não será do dia para a noite que todos nós incorporaremos a ideia de solucionar problemas jurídicos utilizando o design ou outras disciplinas. Contudo, é urgente abandonar a ideia de que legal design e visual law são ferramentas meramente estéticas, derivadas dos memes e dos emojis. Tal pensamento refreia algo que, se bem aplicado, apenas acrescenta, democratiza e expande o Direito. Ser avesso a esse tipo de instrumento, de destino inafastável, apenas atrasará quem se mostrar resistente (vide tantos outros exemplos de inovação que tornaram obsoletos aqueles que não as aceitaram).

É nesse contexto que eu saúdo iniciativas como a da juíza do trabalho Karla Yacy Carlos da Silva, que, mesmo sem ser legalmente compelida a aplicar legal design em seu múnus público, acredita no benefício que seus despachos e sentenças podem trazer a quem mais interessa: o jurisdicionado.

Dra. Karla é exemplo de jurista a ser seguido por sua iniciativa e merece todas as loas que lhe foram negadas nas últimas críticas. Apesar de o trabalho ter pontos de melhoria, não se deve julgar o modelo gráfico de sentença como simplório, principalmente quando o seu maior objetivo é alcançado com o entendimento integral do comando judicial pelas partes mais hipossuficientes, sem a necessidade de um jurista-intérprete imediato.

Pobre do porteiro que, apesar de sujeito de direitos, vê-se furtado da compreensão acerca deles, unicamente porque os nobres jurisconsultos defendem o encastelamento do discurso jurídico. Não sei quanto os colegas cobram de honorários aos seus clientes, mas, mesmo aplicando o piso proposto por nossa Ordem dos Advogados, o aconselhamento jurídico é mercadoria não acessível a todos, principalmente aos porteiros, por mais louvável que seja o trabalho das Defensorias Públicas, que não conseguem abraçar toda a demanda que bate a suas portas. Aqui, estamos tratando essencialmente de Democracia e acesso à Justiça.

Imagino que a magistrada concorda comigo quando digo que não operamos o Direito para nós mesmos, mas sim para o bom funcionamento da sociedade. O sentimento de agradabilidade da Justiça passa justamente pela compreensão do jurisdicionado acerca do direito que lhe assiste e é aqui que reside a importância do legal design. Desculpe-me professor (e seguidores), mas nesse tema estaremos sempre em campos retóricos opostos.

Para finalizar, gostaria de responder a alguns colegas que, nos comentários do meu texto anterior, indagavam o porquê de eu não o ter feito em legal design. A resposta é a mesma pela qual eu não escrevo uma petição para avisar em casa que o pão acabou. Além disso, a proposta do meu texto era de apresentar um tema ao debate e o veículo que me ofereceu espaço optou por um texto dissertativo. Obrigado mais uma vez, ConJur.

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Victor Cyreno
Pós-graduando em Direito Digital pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CEPED-UERJ) e pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade ¬(ITSRio). Possui cursos de extensão em Direito e Tecnologia pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e pelo ITSRio. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (FDR/PE). Jornalista e comunicador pela Associação de Ensino Superior de Olinda (AESO/PE). Advogado.

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